domingo, 22 de dezembro de 2013

Transpiração.



Os ressentimentos não caem bem. Ficam pendendo no vão do ar. O vento de parapeito da existência. 

O suor da vida escorregadia deslizando no corpo. A inspiração transpira. Não sou mais que a barba. 

Para fins práticos, é impossível de se ignorar a ingenuidade dos pelos (a curva do rosto quase protegida). Em casos comuns, a maciez antepara as palavras: se embrenham na barba para saírem veludo. A inabilidade afável amansa. Nunca chegaria a ser amor, por isso. E quando o suor se perde, por uns segundos até pingar, o pescoço não suporta o peso. Amou-se muito e não amaram. A recusa palatável das separações e das saudades se explica, é claro. Não explica aproximação. Reconhece-se os papéis picados, no final.

Irrecusável, mesmo, só a incompreensão.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

I'm so lonesome I could cry.


Uns dias parados, como num engarrafamento. Tem uns nomes na ponta da língua, um sentimento na ponta do cigarro. Na ponta dos dedos, uns riscos. Rabiscos estranhos. A noite cai, estúpida e rápida. Como a sombra, eu sou e não sou. Meus rabiscos rascunhados, fagulhas de poemas, romances diluídos no álcool, contos mortos que permanecem na segunda nebulosa. Desenho alguns bustos, as mãos luxuriosas procuram o prazer. Na penugem da sombra, meu dom brota melodicamente. Desabam carnes e ossos: o corpo no chão, uma poça de vinho derramado. Uma raridade no beco da vida, a pita apagada na poça. A embriaguez, em retirada, se engarrafa de novo. Nubla os olhos, e acaba tropeçando em algum copo. A língua pincelando os lábios, furtando as últimas gotas, o batom é quase um vocábulo. Agora a vida jorra no papel. 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Adágio minguante.


Sempre fico com o cheiro do cigarro nas mãos. Ela quem fuma. Nas despedidas, as mãos se procuram e o seu perfume, acendido com o cigarro, me aparece. Minhas mãos indigentes. As digitais todas preenchidas. Vão solvendo o antes, dissolvendo no agora. O ar escondido nas narinas, a fumaça solta pelos lábios. Fico atassalhando a noite naquela ponta que queima. Com aquela melancolia asilada nos braços, as mãos esculpem uma expectativa em tom pastel: pouco se vê no escuro da noite. O trago ilumina. De repente salta da luz aquela candura afetada, imóvel entre os dedos. A coragem é solitária. 
Olho irremissível para as pernas que se dobram à mesa. Os traços alheios riscando minha vida. Cada gesto me faz querer tocar - algo sem laço. Sem a queixa da saudade. Desforro os cabelos com uma das mãos, espalhando uma saída meio deselegante, meio louca. À quina do cotidiano, a mesa servindo de destino. O cansaço descendo a pele das pálpebras, fazendo moradia no peito, alforriando passagens pela madrugada. E a rua se afortuna, minha vida segreda nas esquinas meus dias sugeridos. Flagro gritos num filete de sangue da minha gengiva, separando os dentes das palavras. A boca cortada. Os lábios de sangue-batom. Os dedos pousados no canto, me borrando. Meu próximo beijo será um furto.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Estudo em furta-cor.


Aqui jazz. A gaita gemendo ao fundo, como no pé do ouvido. Meu barco bêbado: ressaca afetiva antes da etílica. A solidão da garrafa no chão. O coração é meu barzinho. A vontade entre as coxas não amansa. Entre uma e outra dose - pura e direta -, a risada estridente abafando. Aquele cantinho todo vomitado. A cama, meu meio-fio. Minha sarjeta roubada. Talvez tenha confessado tudo antes da hora. Acordei sob o signo errado. Sóbrio sem querer. Cambaleando entre um poste desligado e minha coragem atirada de carregar o mundo com os olhos. Um canalha. A meio passo de uma transa sem ensaios. Lençóis amassados. As horas derramam os ponteiros. Desocupo as roupas, caio em desuso por um final de semana. Um cigarro aceso, tragado sem nunca ter aprendido. As semanas não se oferecem, eu escrevo. Atravesso o porre sem esvaziar o cinzeiro, sem lavar os copos, sem apagar os versos da parede, sem tirar o batom da camisa. A louça cuspida na cozinha. Só o tapete esticado.  

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Walk on the blues side.


Sou eu quem toco
o blues
que ela dança,
se lança,
perfeita,
entre outras pernas,
outras bocas.

Toco notas cruas,
ela nua
no espaço entre
o solo lento.
Gemido.
Baixinho,
no ouvido.

Sou blues pensado
no seu seio,
com o bico me olhando
duro, rijo. Ela
me ouve, de graça,
entre um cigarro
e outro. Meu ciúme
consumido.

Numa nota mais
aguda, a fagulha.
Ela me acerta
na nota mais alta.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Pequeno dicionário da inexperiência.


Eu. Outro. Interior. Exterior. Amor. Ódio. Ciúme. Perdão. Desculpa. Gentileza. Pecado. Milagre. Bem. Mal. Bom. Ruim. Perto. Longe. Distância. Raso. Profundo. Imanência. Transcendência. Ascendência. Dia. Noite. Silêncio. Palavra. Raiva. Solidão. Selvagem. Humano. Número. Símbolo. Parar. Continuar. Contínuo. Descontínuo. Atração. Repulsão. Confusão. Difusão. Associação. Dissociação. Rápido. Devagar. Suavidade. Peso. Harmonia. Caos. Conhecer. Desconhecer. Começo. Meio. Fim. História. Geografia. Acompanhar. Ritmo. Dispensar. Velho. Novo. Esse. Outro. Isso. Dilatar. Conter. Esperar. Contar. Longo. Curto. Perder. Achar. Encontrar. Vazio. Preencher. Encher. Cheio. Escrever. Descrever. Inscrever. Lembrar. Esquecer. Pedir. Drama. Comédia.

Nada disso existe.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Nepente.


Eu não sei pedir muito. Aliás, nem sei mesmo como fazer as perguntas certas. Talvez me seja impossível. Pedir foi sempre nervoso. Um sacrifício inevitável. Nunca descansei ao desmaiar lucidamente e proferir aquelas palavras. E o chão nunca acolheu meus irremediáveis, blues e mordidas. Mas nem isso eu peço. Pedir é uma questão de tempo. Um improviso. Aquele olhar incorrigível, egoísta. O surpreender emocionado. Coleciono pequenas lamentações, em goles. Pedir é humilde, bem como depender. Mas não pronuncio. Vivo subitamente, como a água correndo.  Tão vermelha e afirmativa. 

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Mate os teus.


- Um a um. Lentamente. Asfixia, veneno. Em silêncio. Sem explosões. Sem palavras. Comprometido. Até o fim. Ante a mim. Com fervor. Sem amor, só a loucura. Suicídio compulsório. Mais de um. Menos que um livro. Mais que uma música. Uma camisa. Um cabelo. Um cabelo sem voz. Uma barba. Uma boca costurada na língua. Tudo. Enquanto nada. A possibilidade do grito. Sem espírito. A alma no ombro. O céu nos olhos. O inferno, os outros. São. As sobras da sombra. As sobras dão sombra. As sobras, minhas. Eu, também.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Zelo.


Arrasto meus desconfortos para o transe do silêncio. Meu mundo flutua no cotidiano. 

Resgato as aproximações desistindo de conviver comigo mesmo. Escutem. Escutem meus lábios que se abrem apenas para mordidas. Ouçam minhas lágrimas como ouvem a chuva batendo na janela. 

Meus murmúrios secos dentro da presença inchada. Porque toda permissão é incomunicável. Quero viver os livros que não escrevi, para toda a poesia que já vivi. 

Minha vida cuidada. Minha vida a cuidar. Saudade é não conseguir mudar nada. Clichês cuspidos na calçada. Uma letra do Robert Smith na voz de Johnny Cash. Roupas dispensáveis ao pé da cama. Os sonhos lúcidos no travesseiro. Os outros ejaculados num poema. O corpo avarandado. 

O cigarro nunca tragado, ridicularizado. O coração unânime. A desimportância desafiando. A bagunça aguentando. A segurança claustrofóbica. O riso em banho-maria.

O olhar em vanguarda. Um porre cruel. A permanência da vontade. A insistência da memória. Confissão ignorada. A sinceridade comovida. A surpresa suspensa.

A dor suja, incapaz de tirar uma foto.
O hoje lento.

A alegria tentada.

domingo, 22 de setembro de 2013

E é sobre o teu poema imoral.




    Você arruinou cada camada de linha tênue do meu auto controle e degolou toda a minha imbecilidade sem ter nenhuma esperança de receber algum indício de gratidão da minha parte. E agora o que te dizer além de que conseguiu penetrar na minha corrente sanguínea, fazendo assim, agora, parte de mim? O que você é? Alguma espécie de neurologista filho da puta? Se é que isso faz algum sentido. Mas não importa. Sobre as minhas vísceras, por de traz das minhas córneas e dentro de mim, a textura do teu toque e a pressão do teu beijo se harmonizam com a falta de amor que meu corpo gélido esteva acomodado a receber. E tu chegara assim, com esses pelos indisciplinados no rosto, e o cabelo perfumado embrenhado com o cheiro da tua nuca, disposto a fazer de mim um poema fora do ritmo, com versos depravados, incompreensíveis pela falta de vírgulas e me fizestes ser mais uma vez, feliz, por decidir não colocar um ponto final. 
    Ao avesso, sou de novo teu verso. Uma versão mal acabada daquela música que eu não lembro mais. Fizeste do meu cabelo uma tirolesa pras tuas palavras, que passeiam em mim tão fáceis que me arrepio. Te ventilo com meus sussurros. Tu me amordaças com a boca, eu tão pálida me ruborizo. A harmonia visceral que me toma e te queima – as brasas na língua – é uma peça esquecida e soturna, quem sabe composta pelo Fantasma da ópera. Nossos gritos são ritos, chamados ancestrais do amor que nos condenava canibais desde sempre. Tu te despes, eu desperta me disponho. A tua falta de vírgulas, o meu excessivo incômodo por pontos finais – tudo nos levou à essa informe pontuação, sem sentido, escrita à sangue na talha do corpo. Desatinamos a ser a linguagem bruta das línguas mortas.
    Se me matas sempre que me faz correr um risco de ter um derrame quando me olhas; se estou perdida nessa multidão, e se vem tu e me enxergas; E eu aceito me despir pra você... Vai ver que o avesso desse poema imoral, é mesmo o nosso lado certo.

(Ellen Gabriele/ Matheus Rocha)
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