quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O lado escuro da Lua.


Onde todos os ocultos se mostram, se mostram ainda ocultos na lassidão de seus quereres. Um uivo sombrio de um coração que pulsa, que bate, que implora ser ouvido. Mas só a noite o escuta. Só a lua o escuta. O lamento choroso que irrompe, atravessa o desmaio delirante e se atira num penhasco. O salto alivia o vento, o peso do vento. O corpo que cai, o corpo que salta, o corpo que voa em liberdade absurda. Um corpo, de carne e osso e rosto, e nome. E fome. E ânsia. Cair não é a última parada, impactar-se com a transição oculto-desvelado é quase um sentimento. Incólume descoberta sem nome. Anônimo. Transgredir é quase atropelar-se, sumir-se em meio à multidão. E prender o corpo numa etiqueta? Porque usá-la seria algemar-se. No amparo, as asas um dia usadas querem bater de novo. E depois, sem se importar, a urgência finge ser espetáculo toda prova dada à resistência. Um último eco vindo da voz oculta, que surge do fundo, fazendo pedidos. Os pedidos que anseia são os mesmos que ele não dava, não passava por si. Como a derradeira coisa que resta a um homem. Uma sensibilidade que inunda o rosto e mostra, talvez, a face da urgência: o desespero. O estado onde se encontra a matriz de recolhimento parece ter sido jogado fora. Face o vento. Braços abertos, mãos vazias. Poeira que cobre e encobre. Visão turva. A entrega perpétua acontece com o passo dado. Passo em falso? Caia. O corpo não aguenta o peso da arte.

O céu não é o limite. Há passos no lado escuro da lua.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Do Mar.




Por ser sereno e tranquilo, o mar é eterno. Por ter a paciência do infinito, por infinitar sua paciência e salgar corpos retorcidos. A ponte da areia e da nuvem, onde a lua encontra o leito e pousa, e re-pousa e dispensa olhares. Recortes de instantes, captar a totalidade insípida, como chuva condensada. Á beira, sentado na esquina do mundo, um receio de saber o outro lado. E nadar, e nadar, e nadar... e nada. Nada, o tempo todo. Incolor, dissabores salubres cobram penitência com falsas pegadas na areia, que o mar insiste em querê-las. Quer os passos dados, por não saber dar passos. Traga pra dentro de si toda aquarela de matizes dispostas num raio de sol, que o olhar tanto se esforça para desconstruir e chamar de arco-íris. Exageros de contemplações em fins de tarde com um pôr-do-sol que virá laranja-vermelho, plácido e cálido, alimentar as últimas cores. Acalantar o abraço doce da noite, com declarações rasgadas de amor pra sempre. Até se pôr, invadir o mar. E ir bater na areia, fazer morada nas ondas. E nadar, nadar, e nadar. E nada, o tempo todo.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Naquela Estação.

   

Há, pelo menos, formas menos fixas de se andar pela rua sem ser notado. Não passar é redundância. Porque não se fazer ali, é quase castigo ver tudo acontecer.  Sentado, no canto da parede, olhando tudo à sua volta se aproximar mais e mais. Ficando quase cego, ofuscado pela luz de um sol que teima em brilhar e dar cor. Amargura condensada, elevada à máxima potência vira tristeza. Uma longa olhada pelas dobras, das esquinas e das pessoas, o empoeirado vai cobrindo e dando forma a corpos de terra. De barro, modelados pelos abalos e encontros ao longo do caminho. A velha dor ajoelhada, minutada em guardanapos. Algumas palavras levadas ao bolso, outras soltas pelo asfalto. Às desafinadas, desavisadas e desajustadas esquinas, entrego meu silêncio e a súplica dos meus passos. Tortos, rotos. Clemência num beijo, choro num abraço qualquer. E fazer canto, e se demorar em ruas e andanças. Nessa dança da solidão, a rua guia apenas o olhar. Meio bêbado, quase caído. Quase sendo um passo, de chão tão perto. A sombra insone persegue e me beija. A moldura do porta-retrato, toda cinza, toda antiga. Toda velha. Seco, surdo e mudo, o dia assiste a caminhada . Me roubaram o amor-próprio, e foi por isso que amei. Por que não me tinha mais. Arrastava o tempo entre minhas falsas pernas, levava mesmo era os guardanapos minutados, e só. Na contramão, alguns vira-latas, lixo, asfalto, postes e iluminação. Alguns fogos, artifício, explodiram lá em cima. Me junto aos saudosos, borro o chão com alguns passos e, enfim, caio. Sou de barro, também! Me misturo ao chão, ao pó, ao relento renegado que pisam todos. Um pouco de fôlego, um pouco de embaraço. O próximo trem chega: a ausência me apanha, enfim. Borrado como o chão, parto no trem da ausência com as lágrimas servindo de aquarela para escrever na janela. Não vou apagá-las. Do outro lado, na estação, alguém pode entender como um aceno.

sábado, 1 de outubro de 2011

Cup of Coffee.



Receitas de como ser feliz, livros de auto-ajuda e imperialismo estão à venda em todos os cantos possíveis. A prostituição da ação, irremediável? Que tipo de bula entregam pra esse tipo de coisa, esse tipo de gente? Afogo-me em xícaras de café. Forte e meio-amargo, de preferência. Jogar conversas acompanhado de um bom café abstrai e suspende toda e qualquer pendência deixada para esta hora. A vida em cigarros e cafés, em preto e branco mesmo, entra e sai a todo momento. Inverno também tem muito preto e branco, café esquenta, lá fora é frio. Algumas pretensões escapam em tragadas, outras são engolidas de uma vez, queimando a língua. Sei que entre cafés e cigarros e conversas, sintonias de preto e branco em corpos anônimos. O tráfico, a clandestinidade de quem vive preto-e-branco, cafés e cigarros. As brasas ainda queimam, a língua ainda queima. Dois tons que se tocam, se expandem e dão linhas. Lineares, nem tanto.  Expresso, duplo.  Duas cores solúveis, diluídos.  Espresso, espessa.  Algo de muito particular em dissolver duas cores tão epifânicas.  Inspiração, folha em branco, silêncio, noite. Preto branco inércia.

sábado, 24 de setembro de 2011

Solitude Reticente.

Mas, agora, eu me fui. Me fui, me sou, te sou, me sinto, tu pulsas ainda. Sem carne e osso, com nome e rosto. Essa solidão que se demora, demora pra dar passos. E agora, enfim, o incômodo. Incômodo dilacerante. O peito aperta, a boca erra, os olhos choram. E aquilo que é, tem que se esconder. Os rastros caídos no chão, nem se importam com a poeira. Se põem as marcas de ranger de dentes, de lábios trincados, de lágrimas em partes, partidas. Partida. Partido. Já não aguentaria mais prender sensibilidade em palavras, em linhas curtas, em frases com pontos finais. Eu, sempre reticente. Reticências... e vírgulas. Pausas históricas, contrapontos desinformados sem saber a hora de voltar, ou se vão, mesmo, voltar. O rosto vira expressão, a face vira ambígua. O encontro com os estereótipos sofridos das areias do tempo consomem o corpo, fazem rugas, envelhecer. Envelhe-ser. As mudas de roupa, as toalhas de mesa, os copos descartáveis, os beijos em copos (beijos descartáveis?), o comedimento de ações e propostas ao delírio de um sol vermelho, como um rosto. As maçãs do rosto, o vermelho do nascente. Aquele velho e conhecido receio de que nada vai alimentar. Na verdade, re-seio.  Dobravam-se colchas, retalhos, embrenhados nos lençóis da cama. Unha e carne, lençol e cama, água. Por em gotas, contadas, cada expressão extasiada de um amanhecer arredio. Devagar, despontava. Os olhos, janelas alucinadas, esperavam, esfriavam, esquentavam, entorpeciam na entropia do sol . O sol saía do horizonte, mas não saía da cama. Parecia quente, satisfatório. Menos passos e mais olhares, menos corpos e mais prazeres. Com um pouco de tédio no gosto da boca. Entupia-se prazerosamente de sensações menos complexas e mais diretas, menos saturadas de futilidades catatônicas. Podia sempre olhar. E mais: era como se tentasse render seu desejo. Seu desejo que não havia sido, jamais. Era quase um assalto à luz, deixar-se levar pelo que via. Irrompia aquela solidão matinal, quente em sua aparição e fria em gestos. Polidez de lençol, cobrindo o corpo, dando aspas às linhas espontâneas. Interferia nos pelos, resgatava gotas, cobria o calor. Extremidades sem peso e sem lençol, cruas à luz dos raios da primeira hora.  Frêmitos quase vomitados de tão rápidos. Um suspiro náufrago, reticente.

sábado, 17 de setembro de 2011

Porque Era Ela.

    
    Era tudo meio embaçado, feito olhar na janela de um carro em dia de chuva. O riso frenético, quase incontrolável. Era quase carnaval pra um dia como aquele. Um domingo, talvez? Quem sabe. Esquinas, mil buzinas, e eu ali esperando no trânsito parado. Escura madrugada, o diário secreto dos poetas é aberto. Eu não sabia explicar, nada. Só me vieram, de volta, essas imagens antigas. Devia ser porque as palavras do diário saltavam aos olhos. Elas se faziam cinema, por si próprias. O diário. Onde todos os ocultos se mostram, se mostram ainda ocultos na lassidão de seus quereres. Um uivo sombrio de um coração que pulsa, que bate, que implora ser ouvido. Mas só a noite o escuta. Só a lua o escuta. O lamento choroso que irrompe, atravessa o desmaio delirante e se atira num penhasco. O salto alivia o vento, o peso do vento. O corpo que cai, o corpo que salta, o corpo que voa em liberdade absurda. Um corpo, de carne e osso e rosto, e nome. E fome. E ânsia. Por um instante, ela tomava um banho na minha frente. Na madrugada, ela tomava banho de lua. Foi assim que cheguei ao café. 
    O café borrava o batom dela. Quente e breve, como o cafezinho, ela me olhava. Eu apenas devolvia o olhar, num jogo de desejos que se chutava embaixo da mesa. Não cabia, ali naquela casa, meu olhar mendigo. Olhava pra ela, devolvia seu olhar em meus olhos. Seu olhar melhorava o meu. Ela me sorria, me olhava, me chutava, me assombrava com a sombra dos olhos. O diário, janela a fora.

- Me leva pra andar, por aí.
- Quer ir comigo?
- Quero. Não posso ficar aqui, mais.
- O diário está aberto.
- Escrevamos a próxima página, nós dois.

    Madrugada a dentro, linhas foram escritas. Os lábios se flagravam juntos. Os meus, ainda e sempre, alguns instantes eram bastantes lascivos, os dela molhavam. 

- Abre a porta, pra noite passar.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A Chuva de Setembro



Agosto foi um mês de árvores. De raízes fundas, e de muita chuva. Agostos ríspidos, ultimamente... por dentro e por fora. Aquela sensação insalubre na rotina. Um gosto amargo, e um saudosismo meio torto. Expectativas cada vez mais fugidias de. Não há palavras para prosseguir! Labirinto sem fim. Agosto dominador, esse. Melancolicamente passava por mim, e nem sequer me cumprimentava. Ouvi uma porta bater. Fiquei do lado de fora. Vem a chuva agora, tô sem a chave. Deixa molhar, eu e você. Deixa esse agosto terminar em água, como eu, como ele começou. Deixa ele ir, por nós...
...e que venha setembro, com flores, abraços e sorrisos. Com a primavera te chamando pra correr no jardim. Por você ser flor, pra fazer parte dela. Que ele te traga aquele doce sorriso infantil, o suspiro que sai dos lábios, liberto pra ir pra fora. Para outros ouvidos, quem sabe. Que teu corpo seja fonte de amor, que teus lábios se exasperem de sonhos. Que teu pranto seja o acalanto das dores desse agosto irremediável. Esse silêncio febril de agosto quase acaba com as esperanças de qualquer ser vivo, mas tu encontras ainda uma força. Meio bruta, é certo. Mas que agora pode brotar, para todos verem. Os olhos, ah teus olhos, tuas janelas se abram e deixem a luz da primavera entrar. E que cada lágrima derramada em agosto se transforme em chuva de setembro, em chuva que percorre teu corpo e que denuncia meu olhar sobre ti. Que saibas que estás em mim. Que eu seja perdoado, que teu amor me condene. Seria minha melhor sentença.
Que seja doce, para ti.
Para ti, do sempre teu...
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