quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A Chuva de Setembro



Agosto foi um mês de árvores. De raízes fundas, e de muita chuva. Agostos ríspidos, ultimamente... por dentro e por fora. Aquela sensação insalubre na rotina. Um gosto amargo, e um saudosismo meio torto. Expectativas cada vez mais fugidias de. Não há palavras para prosseguir! Labirinto sem fim. Agosto dominador, esse. Melancolicamente passava por mim, e nem sequer me cumprimentava. Ouvi uma porta bater. Fiquei do lado de fora. Vem a chuva agora, tô sem a chave. Deixa molhar, eu e você. Deixa esse agosto terminar em água, como eu, como ele começou. Deixa ele ir, por nós...
...e que venha setembro, com flores, abraços e sorrisos. Com a primavera te chamando pra correr no jardim. Por você ser flor, pra fazer parte dela. Que ele te traga aquele doce sorriso infantil, o suspiro que sai dos lábios, liberto pra ir pra fora. Para outros ouvidos, quem sabe. Que teu corpo seja fonte de amor, que teus lábios se exasperem de sonhos. Que teu pranto seja o acalanto das dores desse agosto irremediável. Esse silêncio febril de agosto quase acaba com as esperanças de qualquer ser vivo, mas tu encontras ainda uma força. Meio bruta, é certo. Mas que agora pode brotar, para todos verem. Os olhos, ah teus olhos, tuas janelas se abram e deixem a luz da primavera entrar. E que cada lágrima derramada em agosto se transforme em chuva de setembro, em chuva que percorre teu corpo e que denuncia meu olhar sobre ti. Que saibas que estás em mim. Que eu seja perdoado, que teu amor me condene. Seria minha melhor sentença.
Que seja doce, para ti.
Para ti, do sempre teu...

sábado, 27 de agosto de 2011

Doce Sal.



Escrevo esta crônica com um sabor amargo na boca, quase insalubre. Podendo cuspir, ou até mesmo engolir a seco este momento, como tantos outros que passaram. Os dentes e a língua travam, e as mãos tremem com as iniquidades que se apresentam a cada passo dado. Fui sendo tragado por uma semana de obstáculos. O cansaço corporal, denunciado em meu rosto, parecia que torcia pra que houvessem mais degraus, mais chão talvez. Eu só me encontrava à noite, sentado na cama com um incenso do lado.
A torneira pingava na mesma velocidade do ponteiro. Parecia querer acompanhar as horas, os passos, o tempo, a mim. Coração bate criminosamente. E num jogo de cinismo, finjo não percebê-lo. Talvez mais por inércia e menos por querer, mesmo. Insiste em pulsar, firme e forte e bombeando e indo comigo e rindo de mim. Menos por história e mais por momento. Dessas horas que fica inscrito na alma que algo morreu, algo não existe mais. No fim das contas, amor-próprio não existe. Amor sempre transcende os limites do si-mesmo. Amor é sempre para-outros. Arranhava meio desibinido, andava em meio à pedras pontudas... Pode ser até o tempo, mas nenhuma base segura se arranha em meio a passos bem dados. Aquelas hesitações permanentes de quem já se cortou muito e agora não pode gritar. Definitivamente? Quero um banho de chuva. Quero tomar, beber todas as minhas lágrimas. 

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Artista


Artista
Em um canto nobre
Acomodei meus traços.
Que seriam munidos com pincéis,
Feito tela, ou recitais
De menestréis.
Deve ser das formas,
Caladas no branco papel,
Ou da fina arte do corpo
Quando um beijo o invade
E sela o destino.

Suspirava visões de um pertencer mútuo. Beijava-o como fosse o último. Acontecia ali, naquele encontro, um interesse sórdido que aumentava e ganhava proporções inexatas, amorfas, como o estranho pintado que cerrava o apartamento e encaixava o inesperado dentro daquele espaço de dois corpos. Um ambiente pouco lúcido para o partilhar comum de duas almas que se chocam uma a outra como forma de se contextualizar no infindável número de mundos a se formar, e que seriam gestados naquele espaço. A fluidez dos contatos corporais amanhecia descaminhos contínuos nos gestos esboçados. Era como se cada movimento habitasse os recônditos da casa (e dos corpos), formando densas imagens indiferentes ao espaço, mas ensinadas a se entregarem de volta a seus donos, a seus golpes de origem. Cores demais, imagens passivas e corpos ativos, a postos, prontos para ensinar-se na diferença abstinente. Sem festas e cerimônias, rituais habituais. Uma sobriedade inexplicável pendia para a janela, ali do alto. Enquanto dentro da casa, os sinuosos frêmitos decidiam as próximas sensações e se prostravam diante do contato carnal, próximo à divinização das almas presentes e tocadas. Tragavam-se fumaças de híbridos que contornavam cada linha e se despojavam de si mesmos para se entregarem, assim, nus, um ao outro. Desconheciam-se os exageros. Abriam-se os poros de cada um para implementar cores do outro, e se pintavam a seu modo. O encontro dos lábios, o peso dos corpos, a textura dos cabelos, as palavras mais ardentes, sensações intensas de dois corpos juntos. Procurou cada parte daquele corpo arrepiado, por um frêmito que parecia ser magnético, deixou-se ser procurado, fez-se caminho. O desejo selvagem, o ardor dos encontros, de misturar o sangue e o resvalar fechado das feridas. Os gestos e caretas, os impulsos, as posições, as mordidas, os olhares e a ampla comunicação sem palavras. O sonho que não conta passos, os passos que só querem ser levados a um único ponto. O vai e vem conjugado de dois corpos, o desvendar da escultura por meio do tato, como se fosse decorar cada canto, cada traço, cada marca. Anoiteciam dormências latentes e abriam-se duas chamas alquímicas que se transmutavam constantemente um no outro, se fundiam e se tocavam completamente, sem pudor, sem críticas nem timidez.
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