sábado, 24 de setembro de 2011

Solitude Reticente.

Mas, agora, eu me fui. Me fui, me sou, te sou, me sinto, tu pulsas ainda. Sem carne e osso, com nome e rosto. Essa solidão que se demora, demora pra dar passos. E agora, enfim, o incômodo. Incômodo dilacerante. O peito aperta, a boca erra, os olhos choram. E aquilo que é, tem que se esconder. Os rastros caídos no chão, nem se importam com a poeira. Se põem as marcas de ranger de dentes, de lábios trincados, de lágrimas em partes, partidas. Partida. Partido. Já não aguentaria mais prender sensibilidade em palavras, em linhas curtas, em frases com pontos finais. Eu, sempre reticente. Reticências... e vírgulas. Pausas históricas, contrapontos desinformados sem saber a hora de voltar, ou se vão, mesmo, voltar. O rosto vira expressão, a face vira ambígua. O encontro com os estereótipos sofridos das areias do tempo consomem o corpo, fazem rugas, envelhecer. Envelhe-ser. As mudas de roupa, as toalhas de mesa, os copos descartáveis, os beijos em copos (beijos descartáveis?), o comedimento de ações e propostas ao delírio de um sol vermelho, como um rosto. As maçãs do rosto, o vermelho do nascente. Aquele velho e conhecido receio de que nada vai alimentar. Na verdade, re-seio.  Dobravam-se colchas, retalhos, embrenhados nos lençóis da cama. Unha e carne, lençol e cama, água. Por em gotas, contadas, cada expressão extasiada de um amanhecer arredio. Devagar, despontava. Os olhos, janelas alucinadas, esperavam, esfriavam, esquentavam, entorpeciam na entropia do sol . O sol saía do horizonte, mas não saía da cama. Parecia quente, satisfatório. Menos passos e mais olhares, menos corpos e mais prazeres. Com um pouco de tédio no gosto da boca. Entupia-se prazerosamente de sensações menos complexas e mais diretas, menos saturadas de futilidades catatônicas. Podia sempre olhar. E mais: era como se tentasse render seu desejo. Seu desejo que não havia sido, jamais. Era quase um assalto à luz, deixar-se levar pelo que via. Irrompia aquela solidão matinal, quente em sua aparição e fria em gestos. Polidez de lençol, cobrindo o corpo, dando aspas às linhas espontâneas. Interferia nos pelos, resgatava gotas, cobria o calor. Extremidades sem peso e sem lençol, cruas à luz dos raios da primeira hora.  Frêmitos quase vomitados de tão rápidos. Um suspiro náufrago, reticente.

sábado, 17 de setembro de 2011

Porque Era Ela.

    
    Era tudo meio embaçado, feito olhar na janela de um carro em dia de chuva. O riso frenético, quase incontrolável. Era quase carnaval pra um dia como aquele. Um domingo, talvez? Quem sabe. Esquinas, mil buzinas, e eu ali esperando no trânsito parado. Escura madrugada, o diário secreto dos poetas é aberto. Eu não sabia explicar, nada. Só me vieram, de volta, essas imagens antigas. Devia ser porque as palavras do diário saltavam aos olhos. Elas se faziam cinema, por si próprias. O diário. Onde todos os ocultos se mostram, se mostram ainda ocultos na lassidão de seus quereres. Um uivo sombrio de um coração que pulsa, que bate, que implora ser ouvido. Mas só a noite o escuta. Só a lua o escuta. O lamento choroso que irrompe, atravessa o desmaio delirante e se atira num penhasco. O salto alivia o vento, o peso do vento. O corpo que cai, o corpo que salta, o corpo que voa em liberdade absurda. Um corpo, de carne e osso e rosto, e nome. E fome. E ânsia. Por um instante, ela tomava um banho na minha frente. Na madrugada, ela tomava banho de lua. Foi assim que cheguei ao café. 
    O café borrava o batom dela. Quente e breve, como o cafezinho, ela me olhava. Eu apenas devolvia o olhar, num jogo de desejos que se chutava embaixo da mesa. Não cabia, ali naquela casa, meu olhar mendigo. Olhava pra ela, devolvia seu olhar em meus olhos. Seu olhar melhorava o meu. Ela me sorria, me olhava, me chutava, me assombrava com a sombra dos olhos. O diário, janela a fora.

- Me leva pra andar, por aí.
- Quer ir comigo?
- Quero. Não posso ficar aqui, mais.
- O diário está aberto.
- Escrevamos a próxima página, nós dois.

    Madrugada a dentro, linhas foram escritas. Os lábios se flagravam juntos. Os meus, ainda e sempre, alguns instantes eram bastantes lascivos, os dela molhavam. 

- Abre a porta, pra noite passar.
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