quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Do Mar.




Por ser sereno e tranquilo, o mar é eterno. Por ter a paciência do infinito, por infinitar sua paciência e salgar corpos retorcidos. A ponte da areia e da nuvem, onde a lua encontra o leito e pousa, e re-pousa e dispensa olhares. Recortes de instantes, captar a totalidade insípida, como chuva condensada. Á beira, sentado na esquina do mundo, um receio de saber o outro lado. E nadar, e nadar, e nadar... e nada. Nada, o tempo todo. Incolor, dissabores salubres cobram penitência com falsas pegadas na areia, que o mar insiste em querê-las. Quer os passos dados, por não saber dar passos. Traga pra dentro de si toda aquarela de matizes dispostas num raio de sol, que o olhar tanto se esforça para desconstruir e chamar de arco-íris. Exageros de contemplações em fins de tarde com um pôr-do-sol que virá laranja-vermelho, plácido e cálido, alimentar as últimas cores. Acalantar o abraço doce da noite, com declarações rasgadas de amor pra sempre. Até se pôr, invadir o mar. E ir bater na areia, fazer morada nas ondas. E nadar, nadar, e nadar. E nada, o tempo todo.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Naquela Estação.

   

Há, pelo menos, formas menos fixas de se andar pela rua sem ser notado. Não passar é redundância. Porque não se fazer ali, é quase castigo ver tudo acontecer.  Sentado, no canto da parede, olhando tudo à sua volta se aproximar mais e mais. Ficando quase cego, ofuscado pela luz de um sol que teima em brilhar e dar cor. Amargura condensada, elevada à máxima potência vira tristeza. Uma longa olhada pelas dobras, das esquinas e das pessoas, o empoeirado vai cobrindo e dando forma a corpos de terra. De barro, modelados pelos abalos e encontros ao longo do caminho. A velha dor ajoelhada, minutada em guardanapos. Algumas palavras levadas ao bolso, outras soltas pelo asfalto. Às desafinadas, desavisadas e desajustadas esquinas, entrego meu silêncio e a súplica dos meus passos. Tortos, rotos. Clemência num beijo, choro num abraço qualquer. E fazer canto, e se demorar em ruas e andanças. Nessa dança da solidão, a rua guia apenas o olhar. Meio bêbado, quase caído. Quase sendo um passo, de chão tão perto. A sombra insone persegue e me beija. A moldura do porta-retrato, toda cinza, toda antiga. Toda velha. Seco, surdo e mudo, o dia assiste a caminhada . Me roubaram o amor-próprio, e foi por isso que amei. Por que não me tinha mais. Arrastava o tempo entre minhas falsas pernas, levava mesmo era os guardanapos minutados, e só. Na contramão, alguns vira-latas, lixo, asfalto, postes e iluminação. Alguns fogos, artifício, explodiram lá em cima. Me junto aos saudosos, borro o chão com alguns passos e, enfim, caio. Sou de barro, também! Me misturo ao chão, ao pó, ao relento renegado que pisam todos. Um pouco de fôlego, um pouco de embaraço. O próximo trem chega: a ausência me apanha, enfim. Borrado como o chão, parto no trem da ausência com as lágrimas servindo de aquarela para escrever na janela. Não vou apagá-las. Do outro lado, na estação, alguém pode entender como um aceno.

sábado, 1 de outubro de 2011

Cup of Coffee.



Receitas de como ser feliz, livros de auto-ajuda e imperialismo estão à venda em todos os cantos possíveis. A prostituição da ação, irremediável? Que tipo de bula entregam pra esse tipo de coisa, esse tipo de gente? Afogo-me em xícaras de café. Forte e meio-amargo, de preferência. Jogar conversas acompanhado de um bom café abstrai e suspende toda e qualquer pendência deixada para esta hora. A vida em cigarros e cafés, em preto e branco mesmo, entra e sai a todo momento. Inverno também tem muito preto e branco, café esquenta, lá fora é frio. Algumas pretensões escapam em tragadas, outras são engolidas de uma vez, queimando a língua. Sei que entre cafés e cigarros e conversas, sintonias de preto e branco em corpos anônimos. O tráfico, a clandestinidade de quem vive preto-e-branco, cafés e cigarros. As brasas ainda queimam, a língua ainda queima. Dois tons que se tocam, se expandem e dão linhas. Lineares, nem tanto.  Expresso, duplo.  Duas cores solúveis, diluídos.  Espresso, espessa.  Algo de muito particular em dissolver duas cores tão epifânicas.  Inspiração, folha em branco, silêncio, noite. Preto branco inércia.
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