domingo, 23 de setembro de 2012

São Paulo VII - Amour.

"Há tanta coisa a ser feita e ser escrita e vivida que acho besta perder tempo." Essa frase caiu numa madrugada onde minhas reações descabidas foram retalhadas por suas próprias impossibilidades. Ouvir o choro sem poder ir afagar, escutar a voz clamando por atenção e não poder dar-se inteiro. Minhas lamentações quase escaparam pelos olhos. Madrugada morna, apesar do frio extensivo. Devassa e silenciosa, imprevisível e alucinada: a madrugada paulista desfaz ilusões e coloca em seu lugar uma nostalgia, uma despedida amarga. Minhas horas deitado na cama, sem dormir. Saí cedo, voltei pro apartamento. Não tive vergonha nem medo de mostrar o mar salgado que carrego nos olhos diante de desconhecidos sentados no metrô. Andei à tarde, me desmontei numa peça de teatro. Me despeço de São Paulo: sei que uma parte grande de mim ficará aqui. Talvez volte pra buscar; talvez, por ter deixado em cada esquina, não mais encontre. Mas tirei algo do fundo de mim mesmo, e carrego na pele: o amor é o supremo ato de criação e insanidade.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

São Paulo VI - Próxima Estação.

Tenho a impressão de conhecer mais as estações de metrô subterrâneas do que a cidade acima de mim. Duas brigas no metrô, empurrões de corpos obtusos. Emerge em mim: sou uma pergunta ou uma resposta? O trem vai parando, estação por estação, pingando gente em cada uma delas. As gotas humanas logo dão lugar à gotas do céu: choveu de novo quando me vi nos olhos verdes. Apesar do aspecto irreal de uma cidade sem espaço dada a contaminação humana, São Paulo é uma cidade realizável. Tem lugar e público pra tudo. A senhorita dos olhos verdes me realizou, me devolveu sonhos, trouxe esperanças, amor e lugares que jamais encontrei. 'O pintor que escrevia' - PS: eu te amo! O perfume na pelúcia atiçou meus afetos, já bem escancarados diante da cidade. Diante dela. Não me respondi, talvez nunca me responda. Ainda chove na cidade, algumas gotas. Chorei quando me despedi dos olhos verdes. Escrevo chorando de felicidade, com um perfume leve pelo ar..

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

São Paulo V - A cidade vendida.

A cidade vendida, veículada na mídia, parece ser uma imagem distante do que se vê por aqui. Antes das oito da manhã, São Paulo fazia 20°, e a população do metrô se empurrava pra entrar. Desci a estação da Consolação desconsolado: uma multidão me engolia pra dentro das linhas férreas. Na estação do Tietê, me perdi. Cheguei no asfalto e fui seguindo as placas em direção ao Anhembi. Parei uma vez ou outra pra me perguntar: estou seguindo as placas, mas me sigo? Comecei a prestar atenção nos meus passos, como eu andava até lá. Apesar da calçada estreita da marginal, o espaço parecia largo. Mudava mais o olhar, do que os passos ou o tráfego do lado. No Parque, a sonolenta massa humana condensava o calor da cidade. O que se vende aqui é muito mais um espaço do que os modos. No fim da tarde, cruzei toda a Avenida Paulista a pé. Cansei o corpo, ansioso. Voltando pro apartamento, desci a rua sem tanta pressa. A cidade vende pressa. Vem depressa.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

São Paulo IV - 19.09.2012

Nós temos que manter esse dia vivo, tão vivo quanto foi o encontro na estação do metrô. Tão vivo quanto cada letra grafada nos papéis, quanto os chocolates, os passos, as palavras, os perfumes. Voltando pra casa, me surpreendi derramando lágrimas sobre a foto. Algo tão doce, tão forte, tão intenso. Poucas palavras, muitas histórias. Dois ébrios de um afeto finalmente reconhecido. Presença e entrega imediatas. Os labirintos insondáveis dos afetos, perpassados por um olhar sincero, seguro. Nestes labirintos, nunca nos perderemos. Irremediavelmente (odiamos remédios!) atados um ao outro. Trouxe comigo a chuva, tão pedida. As impossibilidades, ou qualquer outra coisa que atropele um caminho, são nosso ponto de partida. Nenhuma câmera, nenhum espelho, nenhum refletor: o melhor lugar habitado por mim é nas retinas daquele par de olhos verdes.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

São Paulo III - Amores e Possíveis.


Há uma cidade entre as pessoas. Veloz e frenética. São Paulo é uma personagem. Eu respiro ofegante, contagiado pela intensidade absoluta que paira no ar. O dia começa cedo, a saudade de muito desatinando no peito e, como o rímel delineia os olhos, começa a delinear meu olhar. Minha insuspeita e profunda presença aqui, nesse 15° andar, meus rastros deixados no pequeno quarto onde estou. Meus passos nos desvãos do apartamento, o encontro com o amor em poucas horas. A necessidade de devorar essa presença incontestável, não-minha mas habitada dentro de cada traço meu. Amor estrangeiro. Desconhecido, sua desfaçatez assombra. Mas me entrego a isso, total e límpido. Apertado entre o peito e os braços, abraçar é angustiar. O vazio de Camille Claudel, escrito na porta da casa, escrito no meu corpo, na minha estante. E quando todas as linhas, do metrô ao corpo, lhe mostram o caminho, só resta a mim andá-lo, caminhante que sou..

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

São Paulo II - Amores Escancarados.


Angustio-me andando por São Paulo. Como se eu fosse encontrar algo que me esperasse ao dobrar a próxima esquina. A cidade é habitada por um sentimento inacabado, disperso por cada centímetro de asfalto. Andando na famosa Avenida Paulista, me dei conta do sentido que estava tomando, aqui. O olhar vai se movendo por sobre as coisas, nas pequenas pausas (causas perdidas..) vai entrando em cada poro, tomando conta da sensação imóvel que me surpreende: os afetos humanos são provocadores. A urbe toda é uma grande provocação, quase uma afronta.  Não há lugar para palavras. Olhares nada inquisidores, perdidos atrás de frondosos óculos escuros, a escuta limitada à dois fones de ouvidos interligados pelas mais diversas cores, e uma velocidade impregnada em cada passo – o medo absoluto impera. Ninguém se encara, nem aos outros. Passam desapercebidos, receando um encontro total e avassalador que mudará completamente o rumo do dia, ou quem sabe da vida. Passando na frente do MASP, uma fila enorme pra entrar. Perguntei-me o que eles veriam em museus. Apesar da capacidade interventiva trazida pela própria disposição espacial, e das pinturas e curvas que até a geometria não-euclidiana se espantaria, a paixão acendida na metrópole não é, nem de longe, pela diversidade humana. É qualquer coisa entre o possível e o provável, o temor daquilo que pode ser realizável aqui. Não cabem amores impossíveis, aqui. São Paulo é feita de amores e possíveis.

domingo, 16 de setembro de 2012

São Paulo I - A Cidade Sitiada.

Pouco sono, pouco cansaço. Num dia, ver o sol se pôr na estrada, chegando na cidade onde nasci. Nas próximas horas, vê o sol nascer acima das nuvens. Recife é uma cidade pra ser vista de cima, de madrugada, iluminada pelas próprias luzes. Mal dormir, ansiedade e amor correndo nas veias: o avião pousa em Guarulhos, estou na primeira cadeira do avião. Fui um dos últimos a entrar na aeronave, e o primeiro a dela sair. Eram 6:34, exatamente. O aeroporto me ofereceu espaço pra um café. Minha mala demorou a aparecer. Mas eu olhava São Paulo de dentro pra fora, como quem descobre um novo mundo. Ou um mundo novo. Caetano está certo: em Sampa, você se sente conectado com o planeta. Singularidades, pseudo-intelectuais, jovens cansados das mesmas caras cheias de maquiagem, cults ou nem tanto, o fato é que é uma cidade sitiada. A teia humana, vista de perto, é uma monstruosidade. Parece não haver espaço pra tanto corpo junto. Eu me assusto fácil com essas coisas. São Paulo consome os sonhos, devora todas as possibilidades. Arte espalhada pela cidade, qualquer canto é alvo fácil de intervenções. Até as pessoas: verdadeiras pinturas transitam entre as ruas, os carros. O tráfego humano parece se igualar ao tráfico de exigências informais que assola a cidade. Observando os tipos humanos daqui, chega-se numa conclusão óbvia: não há um jeito paulista. É um caos. Os mais precipitados poderiam pensar, ao ler tudo isso: 'São Paulo é uma cidade para todos!'. Não, é o contrário: São Paulo é uma cidade para poucos. Eu não estou incluso nestes poucos. Alto aqui do 15° andar, vejo a noite cair. Cair aqui é explodir a concretude: é viver a intensidade e a efervescência dos amores escancarados.
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