sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Fome.


A fome não se guarda
no bolso.
Montes de coisas
se amontoam,
famintas de verdade.
Fabricando a fome
como quem tem riqueza.
E, posta na mesa,
a pobreza do homem.

domingo, 18 de novembro de 2012

Epifania.


Não acreditava mais que aquilo não existisse, embora a vida insistisse em me colocar o contrário. Colocar-me ao contrário, de frente para aquela possibilidade de impossibilidade. E envaidecida e furiosa vida, que atarantava minha existência fatídica em cotidianos urgentes, que usurpava minha capacidade de espanto e estuprava minhas antíteses tão desmesuradamente cuidadas. Tentava reunir apressadamente as partes quebradas em golpes indecidíveis, presumia minha falsa eternidade. Mas não sabia dizer tudo o que escrevo, meus inesperadamente frágeis lábios não conseguem se exasperar a ponto de deixar esses inacabamentos saírem à tona. Portanto, permaneço internamente inacabado. Inteiramente inacabado. Meio incompreensível estar anônima e atonitamente perto de intensidades que me perpassam, me devassam e me silenciam. Meus instantes são sempre os póstumos de alguém que andou por mim e deixou seus rastros caídos no meu corpo. Nas frinchas, nos pós vou descobrindo uma escultura. Modelando a partir de uma queda inevitável.
            O silêncio espesso que deixava a velar tudo o que habitava. Em seu útero, me furto tremeluzir entre um toque e outro o indizível que, com sua eterna complacência, se retorce inteiro, se debate e se choca contra os vãos e desvãos da pele em que me faço ser. A fuligem dos dia-a-dias que barulhentamente pululam entre um copo de whisky e outro, ou até mesmo outras pessoas que encharcam cada momento com suas mais variadas palavras – o vai e vem dos quadris tentam submergir instantaneamente os amores que procuram um espaço (corpo, olhar) para darem as caras (e as cartas, como de costume..). Pouco respirável esses minutos incontroláveis que assolam irremediavelmente. Depois da passagem daquela pessoa, que passou e levou consigo as consternações e deixou os mais lentos beijos – como no solo de blues que eu escuto enquanto escrevo – depois da sua passagem, a dor das flores ficou mais nítida. Encerrada nas microfísicas digitais, nas falanges macias dos dedos. Enfastiado de tanta deserção, de tanto afeto roubado, tanto beijo ladrado, tanto abraço por dar.
            A fome e a náusea. A tontura do amor não dado. As ruas forradas pelos passos apressados. Os sonhos vividamente despedaçados em cada esquina. Os rostos de sorrisos fugidios que tentam acalentar um minuto da existência alheia. Ou o alheamento de faces queridas. O hálito morno nas manhãs primaveris. A mordida doce nos lábios finos, bem delineados. A eloquência das palavras ansiadas, e soltas num suspiro qualquer. A cálida espera, depois de sonhos intranquilos. O carinho hirto, penando pra ser reconhecido. A saudade exasperada, tornada falta. A poesia não vivida. A degradação lenta da carne. As bobagens caídas em cada olhar. O talento não reconhecido. A incerteza de tocar ou não. Os erros inventados. As sortes envenenadas. As manias embebedadas. O deserto de almas.

A explosão irrefreável do prazer egoísta de cuidar de alguém.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Se eu fosse Jack Kerouac.

A noite lenta, quase um solo de blues. Molhava os lábios com um whisky caro, enquanto atravessava mais um intervalo ao acaso.

Ele não se dava (ao) tempo.
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