quarta-feira, 24 de julho de 2013

Carmen Maura e Marisa Paredes perderiam pra mim.


Sim, sou uma das mulheres do Almodóvar. Mas as ultrapasso em dramas e crônicas. Quente, forte, à beira de um ataque de nervos, histérico que sofre de arte crônica - um mau hábito, talvez. Meus segredos floreados, flores de túmulo, flores do meu corpo. Em pele e em pelo, arrepiado. Daqueles que não disfarçam o incômodo sem transformar-se numa estátua de sal. Uso o salto alto das palavras, de onde componho meus melodramas - seja esburacando minhas entranhas e atirando-as, seja implodindo os ossos do ofício a cada vez que me dedico. Flerto com a loucura sustentando a violência dessa paixão descarnada, expulso os amores para a pele - eles me sufocariam se permanecessem incólumes. 
Carrego a alma assim. Sem maquiagens exóticas - no choro, o que borra é o rímel do tempo - nem pesadas, não sei esconder minhas fatalidades. Meus afetos prismados, assim, incontroláveis e espalhafatosos são arrogantes de tão brutais. As cores berrantes se encontram diluídas no meu sangue, nota-se pela palidez vanguardista da minha cor. Não choro pelas partidas, mas desespero pelas ausências. De constância, só esse enredo almodovárico. Não, não sou estável. Nem um pouco. Sou um perpétuo indolente, que oblitera a vida para sangrar à arte. 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Inferno Outro.


Você não precisa de mim. Tenho aceitado à cada pôr do sol. E a cada nascer do sol, a iluminação da minha impossibilidade. Não sei dos teus passos, dos teus olhares, dos teus prazeres, das tuas vontades, dos teus anseios, dos teus orgasmos, dos teus ódios, das tuas distâncias, das tuas vaidades, dos teus medos, da tua felicidade. E por mais que me faça teu, nunca serei teu vício. Para mim, egoísta, te basta me ter – te satisfaço ao me oferecer. Alimento-me da tua voz, dos teus abraços, dos teus olhares para mim, das tuas mordidas e tapas que me selam dentro de mim, cada vez mais teu. E o medo sobrevém com a certeza de que bebes em outras fontes, tua vida tua encontra outros corpos que te oferecem prazeres altos, gritos formatados pelo teu desejo. E me contorço, ardo em desespero – não te devotas a mim. Tuas ironias com outros, tuas fantasias delirantes onde nem minha sombra se inclina, as brincadeiras escorregadias que te deslizam: não impeço, nem à revelia do meu próprio despudor. Meu amor não te consome. Mas posso te matar. Sufocada com meus excessos, inclusive esse. Por mais que aceite o fardo da distância, me será inaceitável conduzir meus dias sem as tuas aproximações e confidências. Mas há outros olhos, outros ouvidos, outras bocas, outros braços. E não impeço. Não tenho desculpas, apesar das vontades. Nem posso buscar. Não impor minha procura, minha desesperança cardíaca a bater caoticamente atrás de ti. Minha solidão se disfarça nas horas nuas. Enlaço tuas pisadas, tuas risadas (mesmo as provocadas por alguém) nos meus carinhos invisíveis, desenhados na fumaça do teu cigarro. Meu coração selvagem e hostil, intumescido por tua saliva, na latência muda que desobedece. Minha sagrada incompletude, oblíqua por reclamar espaço e toque, a falta tátil ontológica que me absorve. Ando como exilado do meu próprio corpo, expulso pelo silêncio que oscila entre as chamas da minha própria ilusão. Sou teu inferno. Teu demônio que assombra na própria sombra. O grito que silencia a dor, e faz ouvir a insurreição do tempo que corrói por dentro da carne. O anjo caído que desfalece os desejos e inebria o peito. 

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Ela se vestirá para mim neste festival.


Em silêncio, a voz embargada. Algo tão nosso que nem precisa invadir o mundo alheio para ser ouvido, ou sentido. No deslize dos sustos maquiados, a fumaça dos cafés quentes dispersando o tanto de frio. Os lábios finos contornando o cigarro, desenhando um batom inexistente que eu teimo em contornar. Fumo e aroma sustentando nossa névoa. Cenas diárias cortadas como um frame de um filme que vive em cartaz na antessala do amor. O vestido de rendas dá vazão à desejos: vazam meus olhos passeando desenfreadamente pelos traços do seu corpo vestido. Adentro seus poros, e me dispo - das roupas e das distâncias. Imerso já na saudade dos próximos instantes - não por antecipação, mas por nudez que desespera a própria solidão -, trocamos as bocas, sem mentiras. As línguas não professam, não falam: estão muito ocupadas no seio de suas próprias sedes. Os olhares se solubilizam, abandonados na liberdade sem fim dos solos de blues. Esculpindo a luz, porque até a sombra precisa dela para ser viva, com a fraqueza da certeza e a franqueza das mordidas, ela se troca. Se troca, se despe, se veste, se gargalha, se soluça, se versifica, se poetiza, se ama e me ama. Tanto. Nossa sinfonia de amor e pranto, nossas fotografias em branco espanto, nossas delicadezas atrevidas: tudo desabafado no decote dela e nos botões da minha camisa.
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