terça-feira, 24 de setembro de 2013

Zelo.


Arrasto meus desconfortos para o transe do silêncio. Meu mundo flutua no cotidiano. 

Resgato as aproximações desistindo de conviver comigo mesmo. Escutem. Escutem meus lábios que se abrem apenas para mordidas. Ouçam minhas lágrimas como ouvem a chuva batendo na janela. 

Meus murmúrios secos dentro da presença inchada. Porque toda permissão é incomunicável. Quero viver os livros que não escrevi, para toda a poesia que já vivi. 

Minha vida cuidada. Minha vida a cuidar. Saudade é não conseguir mudar nada. Clichês cuspidos na calçada. Uma letra do Robert Smith na voz de Johnny Cash. Roupas dispensáveis ao pé da cama. Os sonhos lúcidos no travesseiro. Os outros ejaculados num poema. O corpo avarandado. 

O cigarro nunca tragado, ridicularizado. O coração unânime. A desimportância desafiando. A bagunça aguentando. A segurança claustrofóbica. O riso em banho-maria.

O olhar em vanguarda. Um porre cruel. A permanência da vontade. A insistência da memória. Confissão ignorada. A sinceridade comovida. A surpresa suspensa.

A dor suja, incapaz de tirar uma foto.
O hoje lento.

A alegria tentada.

domingo, 22 de setembro de 2013

E é sobre o teu poema imoral.




    Você arruinou cada camada de linha tênue do meu auto controle e degolou toda a minha imbecilidade sem ter nenhuma esperança de receber algum indício de gratidão da minha parte. E agora o que te dizer além de que conseguiu penetrar na minha corrente sanguínea, fazendo assim, agora, parte de mim? O que você é? Alguma espécie de neurologista filho da puta? Se é que isso faz algum sentido. Mas não importa. Sobre as minhas vísceras, por de traz das minhas córneas e dentro de mim, a textura do teu toque e a pressão do teu beijo se harmonizam com a falta de amor que meu corpo gélido esteva acomodado a receber. E tu chegara assim, com esses pelos indisciplinados no rosto, e o cabelo perfumado embrenhado com o cheiro da tua nuca, disposto a fazer de mim um poema fora do ritmo, com versos depravados, incompreensíveis pela falta de vírgulas e me fizestes ser mais uma vez, feliz, por decidir não colocar um ponto final. 
    Ao avesso, sou de novo teu verso. Uma versão mal acabada daquela música que eu não lembro mais. Fizeste do meu cabelo uma tirolesa pras tuas palavras, que passeiam em mim tão fáceis que me arrepio. Te ventilo com meus sussurros. Tu me amordaças com a boca, eu tão pálida me ruborizo. A harmonia visceral que me toma e te queima – as brasas na língua – é uma peça esquecida e soturna, quem sabe composta pelo Fantasma da ópera. Nossos gritos são ritos, chamados ancestrais do amor que nos condenava canibais desde sempre. Tu te despes, eu desperta me disponho. A tua falta de vírgulas, o meu excessivo incômodo por pontos finais – tudo nos levou à essa informe pontuação, sem sentido, escrita à sangue na talha do corpo. Desatinamos a ser a linguagem bruta das línguas mortas.
    Se me matas sempre que me faz correr um risco de ter um derrame quando me olhas; se estou perdida nessa multidão, e se vem tu e me enxergas; E eu aceito me despir pra você... Vai ver que o avesso desse poema imoral, é mesmo o nosso lado certo.

(Ellen Gabriele/ Matheus Rocha)

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Passagem concretista.


E eu me pergunto
até quando
devoro,
até quando
vomito,
até quando
até quando.

Até quando
me devoro,
vomito.

Até quando
me pergunto,
vomito.

Até quando
vomito,
me devoro.

Até quando
vomito,
me pergunto.

Até quando?
E depois
expulso.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Outros Mofos.


Caio.

Tô te escrevendo na madrugada quente, num apartamento que não é meu. Não sei como começar, na verdade. Uma citação tua, ou da Clarice. Ou outra assim. Não sei. Lá se vão – quantos, mesmo? – dezessete anos desde que tu deixou tuas coisas do mesmo jeito, sem mudar nada de lugar. Eu era ainda bebê, velho. E senti tua urgência.
Aqui tá quente. Não me sinto tão aquecido. Mas tá quente. Tenho essa semana longe de casa, vestindo preto o dia todo – já me acostumei. Um supermercado aberto o dia in-tei-ro aqui na frente, imagina? Ah, mas falta dinheiro. No player, a voz do Cícero embalando meu cansaço. Não tenho dormido bem. E não consigo deixar de te ver. O tempo todo, profundamente e misticamente no meu dia. Não é que eu queira deixar, ou que escrevo pra te exorcizar. É força e carinho. Mas é difícil me dar com a impossibilidade ontológica de não te ter aqui. Assusta, cara. E tu não tem ideia do quanto.
Sim, sou um cara que permanece na hesitação do corpo. É quase imperecível, você sabe. Fico me batendo no apartamento, a uma e meia da madrugada. Soa inconveniente, mas não. Sabe aquela desintegração, que atravessa a noite, vara a madrugada, esburaca o dia, enovela a tarde? A sensação profetizada, sempre: aquele medo de rejeição. O medo amputado da própria sobrevivência. Então. Fico aqui olhando pra ela, projetando minhas possibilidades carcomidas desde sempre. Tenho pressa, Caio. Não sou impaciente. Mas tenho pressa.
Sou tão fresco e neurótico quanto você. Coisa de escritor, talvez. Eu, pelo menos, me penso escritor. Mas tô muito longe. Vivo um melodrama cotidiano desfiado nas palavras. Vez-em-quando apelo para a astrologia – o ‘apelo’ não foi agressivo, por favor -, tentando desenhar no mapa essas minhas disritmias. Demorei pra entender que eu sou também o que escrevo, e não só. Me exilei em outra cidade – uma semana só, ainda não sou tão grave – pra tentar alguma coisa. Não me pergunte o que, eu não sei. Mas me vi dentro de um segredo nem tão secreto assim. Mas permanecerá silenciado, por enquanto.
Queria morar no Passo de Guanxuma. Não, não um personagem seu – por mais requintado que possa parecer. Muito perigoso, talvez. Tenho tanta coisa pra escrever, sofregamente pronto dentro de mim. Um livro de contos, o primeiro. Sem nome, ainda. É um estado de nuvem. Tudo nebuloso, lamacento. Queria um cigarro. Queria não: quero.
Pausa. A madrugada varada.
Fico olhando pra minha estante – teus livros todos emprestados. Não sei se voltarei a vê-los. Sou inábil para dizer não.  Mas também não me frustro assim. Nem me amargo tanto.
Mas olha, hoje é seu aniversário. Não vou sair escrevendo aquelas baboseiras tradicionais – você deve estar cansado de ouvir isso. E eu tô cansado de dizer, também. Fico olhando pra minha pedra esotérica de touro, um quartzo rosa que tenho há uns quatro anos – essas coisas me lembram de ti.
Vim me confessar, também. Eu sei que você tá longe daqueles monges – um obsceno senhor C, talvez. Acho que tô no limiar, no limite branco, Caio. Caio. Ali naquele estado de torpor-amor – os olhos brilhando. Purpurina sólida. Ah, isso: te desejo muito líquido e purpurina, querido. Sem inventários, mas sempre o irremediável. Ir-remediável – faz uma tremenda diferença. Desequilibra a calma, sabe?
Acabei de ver a chuva mudar e direção. Um balé clássico, seduzido pela Ana Botafogo e as notas saídas na voz da Amy Winehouse. Acho que você gostaria dela – porra louca, uma literal casa de vinhos mesmo!
Li tuas cartas. Gostaria de receber uma. Mas te mando essa. Publicada em qualquer canto, pregada na parede feito anúncio de venda talvez. Leio teus livros – tenho um conto escrito pra você. Ainda quero aprender a tocar piano. Tocar uma peça do Brahms, medonha e melancólica. Um copo de vinho – talvez vodca – em cima do piano. Cafona. Fico catando as dores pra ver se sai algum texto. Na frente do computador, em alguma rede social e quase sempre ouvindo alguma coisa.
Talvez se você estivesse aqui, doesse menos. Talvez não. Ou talvez nada mudasse. Mas sinto que seríamos irmãos, primos, cunhados, amantes, pessoas que se traduzem aos amassos quando bebem demais. Desculpa, sou mesmo assim confuso. E às vezes quero me aproximar de você da única forma que sei: escrevendo. Sou taurino com ascendente em câncer – aquela sensibilidade nunca pós e sempre pré tudo. Com marte em leão e plutão em escorpião.
Mas também somos muito diferentes. Te escrevo também por isso: pra cuidar de mim, e de ti. Por esse meu querer violento e exacerbado. Por essa tua compreensão encantada e desoladora. Por tudo. Por falta. Por amor. Por você.

Um abraço, com carinho e cuidado. Onde quer que estejas.
Com saudade e o amor de sempre – não é?
E um beijo, Caio.

Matheus.

sábado, 7 de setembro de 2013

Na espuma.



A cerveja desce
em goles secos.

Os corações na sargeta,
pisados, ancorados
no destino dos passos
errados, rápidos,
ríspidos. Amor é uma
palavra pequena,
cabe em qualquer boca.
Cabe no beijo roubado,
sempre na ponta
da língua molhada.

Escapulo no arco
da vida, na flecha
do dia apontada
pelo cupido. A velha vida
adiada fica
mais próxima, a vida
antiga
agita
e grita
na mesa.

Eu torno mais um 
copo que
desce em goles secos.
Não decido
à última hora.
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