segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Adágio minguante.


Sempre fico com o cheiro do cigarro nas mãos. Ela quem fuma. Nas despedidas, as mãos se procuram e o seu perfume, acendido com o cigarro, me aparece. Minhas mãos indigentes. As digitais todas preenchidas. Vão solvendo o antes, dissolvendo no agora. O ar escondido nas narinas, a fumaça solta pelos lábios. Fico atassalhando a noite naquela ponta que queima. Com aquela melancolia asilada nos braços, as mãos esculpem uma expectativa em tom pastel: pouco se vê no escuro da noite. O trago ilumina. De repente salta da luz aquela candura afetada, imóvel entre os dedos. A coragem é solitária. 
Olho irremissível para as pernas que se dobram à mesa. Os traços alheios riscando minha vida. Cada gesto me faz querer tocar - algo sem laço. Sem a queixa da saudade. Desforro os cabelos com uma das mãos, espalhando uma saída meio deselegante, meio louca. À quina do cotidiano, a mesa servindo de destino. O cansaço descendo a pele das pálpebras, fazendo moradia no peito, alforriando passagens pela madrugada. E a rua se afortuna, minha vida segreda nas esquinas meus dias sugeridos. Flagro gritos num filete de sangue da minha gengiva, separando os dentes das palavras. A boca cortada. Os lábios de sangue-batom. Os dedos pousados no canto, me borrando. Meu próximo beijo será um furto.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Estudo em furta-cor.


Aqui jazz. A gaita gemendo ao fundo, como no pé do ouvido. Meu barco bêbado: ressaca afetiva antes da etílica. A solidão da garrafa no chão. O coração é meu barzinho. A vontade entre as coxas não amansa. Entre uma e outra dose - pura e direta -, a risada estridente abafando. Aquele cantinho todo vomitado. A cama, meu meio-fio. Minha sarjeta roubada. Talvez tenha confessado tudo antes da hora. Acordei sob o signo errado. Sóbrio sem querer. Cambaleando entre um poste desligado e minha coragem atirada de carregar o mundo com os olhos. Um canalha. A meio passo de uma transa sem ensaios. Lençóis amassados. As horas derramam os ponteiros. Desocupo as roupas, caio em desuso por um final de semana. Um cigarro aceso, tragado sem nunca ter aprendido. As semanas não se oferecem, eu escrevo. Atravesso o porre sem esvaziar o cinzeiro, sem lavar os copos, sem apagar os versos da parede, sem tirar o batom da camisa. A louça cuspida na cozinha. Só o tapete esticado.  

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Walk on the blues side.


Sou eu quem toco
o blues
que ela dança,
se lança,
perfeita,
entre outras pernas,
outras bocas.

Toco notas cruas,
ela nua
no espaço entre
o solo lento.
Gemido.
Baixinho,
no ouvido.

Sou blues pensado
no seu seio,
com o bico me olhando
duro, rijo. Ela
me ouve, de graça,
entre um cigarro
e outro. Meu ciúme
consumido.

Numa nota mais
aguda, a fagulha.
Ela me acerta
na nota mais alta.
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