sábado, 1 de junho de 2013

Afecção.


Agora. Nem a marca de batom na xícara. Nem o copo meio álcool, meio água, meio gelo que já derreteu. Surpreende-me a caleidoscópica ironia nos entrelaçamentos da vida. Vultos e voltas, carinhos crucificados - a coroa de espinhos no pé. Ando tonto. Equilibro nem minhas vontades. Distorcidas, extremas, entranhadas. Meu corpo é vontade. Meus prazeres não são sentidos por mim. Desejo único de ser vontade de outro, desapegar da minha pele para vestir tristonhamente os afagos e carícias eminentes. Deitado no seio, meu leito, ufanar o peito na entrega viril de mim mesmo. Meus nascimentos vomitados, entre a saliva levada de uma língua à outra. Ao avesso, sou o verso desfeito de verdade. Porque a verdade sou eu, o egoísmo que encontra seu batismo na consumação, nas mordidas. Persigo o mesmo poema, sem viver a mesma prosa - meu prosaísmo rompido. Acuso-me dos crimes passionais: dos ódios originários às refinações dos orgasmos. Volume reinventado para ser explodido em olhares, medo refeito para ser enfrentado pelos dicionários. Sou solitariamente equivocado por não dever nada a ninguém. Nem a mim mesmo, que não existo. Nas linhas matizadas, ando na corda bamba do hábito. Nas músicas, sou a guitarra que solta um solo longo, dolorido e o grito que arrepia - a voz em brasa. Inflamo, inflamo ao ressoar funebremente as últimas notas do solo. Ali, naquela agulha rompendo a pele, naquela tragada, na fumaça, no cinzeiro: sou a infusão daquilo que não dorme. O estupor da pronúncia, o desespero de ser minha própria sílaba.  

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