quinta-feira, 30 de junho de 2011

Rastro


Eu deixo um pouco de tudo pra ti.
Um pouco de desabafo, de alegria.
Um pouco de grito, de agonia.
Perdão se não deixo meu amor,
é que ele escancarou-se em tudo
E voou.
E a mim ele nem deu satisafação.

sábado, 25 de junho de 2011

Asa Noturna

Texto escrito por um grande amigo. Mais do que isso, meu lar de fênix. Sem o encontro dele, não mais escreveria uma palavra.

(Para meu amigo e poeta Matheus Rocha, como se num encontro em pleno voo)

Do mais profundo silêncio
Do mais possível escuro
Brotam juntos:
  Uma clara solidão
  E um sopro forte
     de fuga latente.
Correr, correr
Pra onde a luz é muita
E chegar a lugar algum.
Viver, viver
Apenas da sua própria luz
E descobrir os abismos fatais.
Saltando todos.
Um a um.

(Itamar Cavalcanti)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Invernia





Madrugada
Vira, revira e calma.
Destas que levam a alma.
E tudo vira pode ser.
Pó de Ser.

    Os lábios estão cerrados agora, feito punhos. Tudo e todos se quedam mais recolhidos, menos afoitos. Há mais intimidade com as coisas nossas de cada dia.  Mesmo que forçadamente, olha-se melhor pra dentro. Pra dentro de si, da casa, das gavetas, dos armários, dos cobertores, dos livros, dos vinhos.  Rebusca-se saudades em meio aos silêncios! Reina um tipo de delicadeza. E o cansaço não mais justifica o dia. O olhar é mais prudente, menos disperso, mais sutil: sente mais. Estende-se aos olhos uma transparência exata. Os olhos são opacos, mas é possível (já que é mais sutil nessa época) descobrir, nos seus movimentos lentos e mínimos, cenas rápidas de saudade e de gosto. Os ouvidos se afiam, o corpo todo escuta. E abraça-se como se fossem dois dúplices no mesmo espaço.  
    Agora é noite, já não há tantas pessoas indo e vindo lá fora. Surgem as apologias, trágicas justificações maquinadas, humildes perdões até a mácula Mas ainda há passos, ainda há caminhantes. Não como antes. É como se a rua se esvaziasse e mostrasse para quem passa algo de concreto, o que não dá pra se ver muito bem à luz do dia. São tantos indo e vindo. E a escuridão noturna, soturna, traz um desalento no inverno. E aí eu me encontro. O calor me sufoca, me aperta. Na neblina tudo fica mais denso, mais concentrado. É como abrir a porta de casa, logo pela madrugada, olhar pra fora e ver tudo concentrado, meditando. A sensação acaba ficando restrita a apenas o perfume, num frêmito sopro de corrente fria que desnuda essa mesma composição concreta. Orvalhos vão se acumulando nas árvores, a neblina não deixa ver muito, se concentra em si. O frio, solene em seu fechamento, contido em seu próprio embaraço concentrado, em suas minúcias de contenção do movimento. Como se houvesse um estremecimento, uma dobra, uma convulsão, o espaço fica ali, contido e contendo tudo. Tão alheio de si mesmo, que por vezes assusta. Na própria estranheza de quem está publicado à loucura do dia, demasiadamente iluminado pela evidência de estar. Nessas horas, até o desespero tem pudor. Dá até pra ver o caminho do vôo dos pássaros, fica marcado na neblina como dois riscos. O vento chega como o único epitáfio da noite.
    Correntes de ar, gélidas, vão se bifurcando a cada esquina, a cada jardim. Os passos vão ficando distantes, o concreto ascende a seu posto novamente. Como um taxímetro, o olhar que registrava e que só conta o que passou. Os lábios continuam cerrados, feito punhos. Os olhos procuram ver alguma coisa, e o frêmito percorre a extensão corporal aludindo cada espaço para ser percebido, de novo. O espetáculo do ranger dos dentes, como se fossem bailarinos, começa. Os lábios tremem esperando um beijo quente e preciso. Os punhos no bolso do casaco, cerrados, esperando o toque quente que vai abri-los e entrelaçar os dedos.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Artífice

Arte é mundo. Arte é existência. Arte é porvir. Arte é fervilhar. Arte é obra. Arte é transmutar. Arte é fundo. Arte é prosa. Arte precisa. Arte é falar. Arte é ouvir. Arte é calar. Arte é transgredir. Arte é trair. Arte é atrair. Arte é distrair. Arte funda. Arte é possibilitar. Arte enoja. Arte é nausear. Arte é mortificar. Arte é central. Arte é proximidade. Arte é inveja. Arte muda. Arte é proteção. Arte pasma. Arte é modo. Arte é ser. Arte é pele. Arte é corpo. Arte é selo. Arte é cedo. Arte é sendo. Arte forma. Arte leva. Arte é trazer. Arte é abrir. Arte fecha. Arte é noite. Arte é prova. Arte é figura. Arte é as mãos. Arte é o olho. Arte é estado. Arte mancha. Arte é força. Arte força. Arte é por. Arte é beijo. Arte nega. Arte é enlace. Arte são passos. Arte é silêncio. Arte é fúria. Arte mergulha. Arte é barulho. Arte é mágica. Arte é morte. Arte é lente. Arte é espelho. Arte espelha. Arte é sangue. Arte é longe. Arte é chão. Arte ceia. Arte é mostrar. Arte é choque. Arte é correr. Arte é risco. Arte é pó. Arte engendra. Arte é engenho. Arte é fútil. Arte útil. Arte molha. Arte encobre. Arte é pobre. Arte é rua. Arte crua. Arte pousa. Arte é musa. Arte é saliva. Arte parte. Arte é porta. Arte é janela. Arte segura. Arte escura. Arte é traço. Arte é listra. Arte é punho. Arte é pelo. Arte é papel. Arte é lista. Arte é fio. Arte arde. Arte é tarde. Arte é areia. Arte encorpora. Arte mora. Arte é fuga. Arte é habitar.


Arte é tempo.
E eu, finito.

sábado, 18 de junho de 2011

Noite de Fumaça


Intensa e breve, feito fumaça. Caiu com a chuva, apagou as luzes e sentou-se lá fora. Fora um assentamento. E a névoa delineava traços entre pingos, eu desejava um corpo próximo, um fervor, um torpor deslizava em minhas carências. Eu refletia nos pingos, na água, nas poças. Meu olhar bêbado consumia a noite espectral que insisitia em passar pela janela do carro. Os postes cortejavam, as árvores gotejavam. As esquinas dobravam as pessoas, e eu segui no meu passo tímido, lembrando "Construção", de um Chico que aniversaria. E eu me encontrava nas primeiras horas de seu aniversário, no seio da noite procurando um leito. E em meu leito, procurando o seio de um corpo. Um corpo que me invadira, me sobressaltara e me assustara com seus desejos carnais tão expostos, que nem um banho gelado conseguiu diminuir a ânsia. Borrava meus traços e recendia à pesadelo. Meu próprio odor, que dizimava e dilacerava as vísceras que tentavam se fixar. Os pingos pulavam, fazia torvelinho de meus lençóis e atirava-os nas poças. Queria encobrir meus desejos, mas o lençol é transparente. E nem me cobriu, nem à poça. Nem a água. Só a chuva escorria. Nem a louça. Nem a pia. Só quero a moça. Aquela, doce, que me beijou a boca. E me deixou estúpido, pela noite rouca.

Perfil

Meu ser que ouve,
meu ser que há?
Ando, desnudo e
calado, assim, mudo.
E criar-se, enfim,
do pó que vai, e ia,
deste tipo: procria!
Desvendendo tal
ilha continente
e lágrimas que a cercam!
Clarear e assegurar.
Porto-seguro?
Comprimiu-se ao final. 
Cumpriu-se o sinal.
Definir como perfil
(o poeta?). Fulgor.
Não sabe que alma tem.
E se tem.
Volver a margem triste
do lago (lágrimo) morto
que circunda a ilha.
E a nau negra, silenciosa,
aporta na porta, externa.
O absurdo sai,  o poeta
regressa

terça-feira, 14 de junho de 2011

Moda



Os corpos, antes nus,
escondem sob as etiquetas,
os aspectos de
amores acorrentados.

sábado, 11 de junho de 2011

Fotografia



Descongelam-se sensações das fotografias. A palidez contrasta com as fotos. Era divertido reunir todos os amigos ali naquela caixinha cheia de nuances de momentos passados. E senti-los tão próximos de si que quase era possível pegar na mão de cada um. O recorte da paisagem fundida com as lembranças trazidas à tona por aquelas imagens prostradas em papéis finos e suscetíveis a qualquer visão... As dissidências posteriores dos integrantes da imagem apresentada pareciam não acontecer, ou até acontecesse, mas em um outro plano, outro momento. Ali, se tinha a sensação de que iria se envelhecer junto! E hoje, olhar para aquelas fotos é imaginar que os corpos envelheceram com a mesma pessoa: a que vê as fotografias. Já tava tudo espalhado mesmo, é só sair juntando tudo pra dar aquela sensação de potência, de ser deus, e de recriar a história grafada naquele plano opaco. Opacidade redimida pela imagem, curioso! Como se não bastasse, a superfície é recalcada por traços estranhamente reconhecíveis. São como dobrados, que à medida que se vai desmontando, vai-se percebendo que, no final, tem o vazio. Um vazio perfectível, crível de ser perpassado por lembranças.
    Destituído de atenção, e talvez de seu próprio espaço, o olhar esconde os retorcidos prazeres encontrados em uma lenta exumação da imagem percebida ali, naquele instante. Trazendo à mostra a solidão de quem olha uma fotografia antiga, as bordas carcomidas, a ação lenta e corrosiva que vai retraindo o próprio esforço, até chegar ao seu limite. A menor variação do olhar na foto, já estimula o ambiente a querer comportar-se tal qual o que está sendo visto. Reviver não seria possível, não nas mesmas circunstâncias. A preocupação estende-se em não deixar de lado qualquer elemento que não esteja ali, em vista. A segurança da qual é dotada a fotografia a faz ser separada de todo o passado na qual foi preparada. É um momento único, e por isso, acaba se desgarrando do contínuo. O vigor apresentado deixa de instalar-se numa categoria essencialmente romanesca para deixar cair em si todo o peso da expressão! Tem-se a impressão de que uma foto “salva” o dia. É aquela certeza característica, encontrada e ancorada nos momentos mais marcantes da existência fatídica de uma fotografia. Uma fotografia pode não ser mais do que uma ponte. Ela pode ser, simplesmente, profecia.  

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Saudade


A saudade vem
E contorna, perfeita,
As linhas desejosas 
Que te compõem.
Ela me varre,
E te expõe.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Esperança


Retratos estampados do amor, em preto e branco, fixados na parede. Revelando para sempre o orgulho apreciando a lente e tecendo malhas por toda a extensão do apartamento. Altivas miragens acabam por sobressaírem dos porta-retratos e iluminar os espaços escuros, os recônditos da alma e do espaço onde a alma se forja. O dentro de si próprio, o espaço. A contínua sensação de que a porta vai abrir e de lá vão irromper saudades em forma de abraços e desejos em forma de beijo. O eterno furor de esperar! Apreciam-se os sorrisos amarelos escondidos pelo emblemático silêncio das palavras escritas naquelas cartas. No amálgama das situações vividas em tão pouco tempo... E esperar faz desfalecer lentamente, levando à exaustão, se arrastando atrás de um motivo dito, oculto. Esperança esforça-se para seguir na espera e negar sua própria falibilidade. Inclina-se sobre os motivos que se levam sem voltar, se perdendo em meio ao luar. Esperar é uma homenagem a tudo o que passa. Procura alento nos últimos encontros, traçados pelo abandono. Imprime a própria negação do que acontece, e se pertence à solidão dos outros. Devolve a insônia passada por tantas noites a acreditar que não mais teria que relutar. E poderia encontrar a maciez de um colo que lhe acudira outrora! É excitante pensar na possibilidade de alguém à espera. Aquietavam-se as ilusões durante o sono, mas basta uma única imagem, uma representação, uma lembrança, e se mostra (de novo) a mesma marca pelo corpo e por tudo que se encarar com o olhar. Cabe em qualquer lugar o tamanho do nada que se encara sempre à lembrança.
    Ela segue sem ser vista, vai pelo que se deixa cair, vai como se estivesse escondida. E, no menor abrigo, ela surge como arte do sentido! As aspirações se encaixam magistralmente enquanto se articulam redes de esperança por trás da porta de entrada. E quando sai, escapa tudo pela mesma porta que ingressou, e fica só aquela visitante incômoda que sempre esteve à porta e nunca entrou. Seria impróprio perguntar-se o porquê dela nunca tombar e sempre vir quando nada mais parece sólido? Há poucos instantes onde se possa provar do ardor de não saber de outras pessoas. Aquela distância incômoda entre dois corpos próximos pela alma! Sem nenhum tipo de remédio ou discrepância qualquer, nenhum momento de sono ou de insônia, nem no meio de um simples piscar dos cílios, em cada olhar se encontra refletido aquilo que está em sua própria imagem. Um sem fim de imagens que cruzam as retinas e saem de lugar nenhum, como se fossem salamandras em meio ao fogo! Mesmo que poucas chances se tenham de ver esse apogeu de algo que se mostra, sempre se acha vendo o olhar de outra pessoa. Um giz, um gesto, um jeito, um convite exposto pelo silêncio e acatado pelo olhar. Nenhum ato, nenhuma palavra, só a leve sensação de que aquele ardor se encontra até no encontro, sem olhares. Só no convite. Só na tensão entre o chão e o abismo. Entre tantos passos dados, sem futuro, destino, ocasião ou parte equilibrada que demande um risco maior e desnecessário, diga-se de passagem. Procurando o efeito de ninguém notar, sem tempo nenhum para convencer nem mesmo ao gesto simples de se arrefecer diante de algo que não se quer ver ou ouvir. Só fechar os olhos já não basta, o corpo todo escuta.    
    Há ainda quem diga que pode se encontrar vestígios de tudo na ponta da língua, mas logo escorre entre os dedos, rápido como o fluir do rio ou devagar feito cola líquida. E se não fosse pelo movimento, muitas vezes repetitivo e com diferentes intensidades, a inércia paralisaria pra sempre aquilo ali na palma da mão, ou na ponta da língua.
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