As palavras são a náusea do vazio. A solidão e a angústia, filhas da mesma substância escura da noite absoluta e impenetrável – esses dois sintomas da doença literária.
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
Anjo,
Num sobrado, uma sombra morava nas recordações carcomidas daquelas madeiras. O alaúde feito pelo pôr do sol, em meio a tantas placas e tantos avisos, era uma grande aquarela poeticamente pintada pelas cores que faltavam. Os movimentos imprecisos, movimentos de primavera pós-inverno, na casa fechada, habitada pela sombra. O vento em sopro, o corpo em brasa. Infausta, a sombra pisava em falso em cada recanto da casa. O passeio pelos cômodos não era cômodo. Pôs os pés na poeira, relanceou o olhar em direção a janela. Fechou as cortinas. Entortou o relógio, mascarou a cama.
Voltou a ser noite.
domingo, 12 de fevereiro de 2012
Corpo Nu.
Atropelar a estética e distribuir os devires sobre as linhas do corpo. As facetas se diluem, as lágrimas orvalham. Aparentemente, as pessoas levam as palavras a sério. Nas palavras, as aparências parecem ser levadas a sério. E pra uma seriedade, nada mais limitante do que ser encontrada em qualquer canto. Desnudar esses entremeios, fazer ver aquela fecunda e informe massa material. Tão desgastadamente retida em lápis, sombras e maquiagens as mais variadas. Uma parte dela, a face, conhece apenas os rumores de algumas bocas. As personagens se despersornalizam em instantes: basta jogar água fria. E o que se vê de alguém, se vê a alma. O flexível e incorruptível plástico, embalado numa sensibilidade pueril. Improvável prescrutar a limpidez de algo que se estagna em um canto só. Mas esquecemos o corpo.
O influxo corporal é habitado por dobras. Território sensível, sujeito a orgasmos. Sem disfarçar, um corpo nu. Tenho uma nostalgia pálida dos tempos que se viam como se fosse o primeiro acontecimento. As cores da superfície encabeçam a lista de imperfeições. O corpo é um papel.
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