quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Artista


Artista
Em um canto nobre
Acomodei meus traços.
Que seriam munidos com pincéis,
Feito tela, ou recitais
De menestréis.
Deve ser das formas,
Caladas no branco papel,
Ou da fina arte do corpo
Quando um beijo o invade
E sela o destino.

Suspirava visões de um pertencer mútuo. Beijava-o como fosse o último. Acontecia ali, naquele encontro, um interesse sórdido que aumentava e ganhava proporções inexatas, amorfas, como o estranho pintado que cerrava o apartamento e encaixava o inesperado dentro daquele espaço de dois corpos. Um ambiente pouco lúcido para o partilhar comum de duas almas que se chocam uma a outra como forma de se contextualizar no infindável número de mundos a se formar, e que seriam gestados naquele espaço. A fluidez dos contatos corporais amanhecia descaminhos contínuos nos gestos esboçados. Era como se cada movimento habitasse os recônditos da casa (e dos corpos), formando densas imagens indiferentes ao espaço, mas ensinadas a se entregarem de volta a seus donos, a seus golpes de origem. Cores demais, imagens passivas e corpos ativos, a postos, prontos para ensinar-se na diferença abstinente. Sem festas e cerimônias, rituais habituais. Uma sobriedade inexplicável pendia para a janela, ali do alto. Enquanto dentro da casa, os sinuosos frêmitos decidiam as próximas sensações e se prostravam diante do contato carnal, próximo à divinização das almas presentes e tocadas. Tragavam-se fumaças de híbridos que contornavam cada linha e se despojavam de si mesmos para se entregarem, assim, nus, um ao outro. Desconheciam-se os exageros. Abriam-se os poros de cada um para implementar cores do outro, e se pintavam a seu modo. O encontro dos lábios, o peso dos corpos, a textura dos cabelos, as palavras mais ardentes, sensações intensas de dois corpos juntos. Procurou cada parte daquele corpo arrepiado, por um frêmito que parecia ser magnético, deixou-se ser procurado, fez-se caminho. O desejo selvagem, o ardor dos encontros, de misturar o sangue e o resvalar fechado das feridas. Os gestos e caretas, os impulsos, as posições, as mordidas, os olhares e a ampla comunicação sem palavras. O sonho que não conta passos, os passos que só querem ser levados a um único ponto. O vai e vem conjugado de dois corpos, o desvendar da escultura por meio do tato, como se fosse decorar cada canto, cada traço, cada marca. Anoiteciam dormências latentes e abriam-se duas chamas alquímicas que se transmutavam constantemente um no outro, se fundiam e se tocavam completamente, sem pudor, sem críticas nem timidez.

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