quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Outros Mofos.


Caio.

Tô te escrevendo na madrugada quente, num apartamento que não é meu. Não sei como começar, na verdade. Uma citação tua, ou da Clarice. Ou outra assim. Não sei. Lá se vão – quantos, mesmo? – dezessete anos desde que tu deixou tuas coisas do mesmo jeito, sem mudar nada de lugar. Eu era ainda bebê, velho. E senti tua urgência.
Aqui tá quente. Não me sinto tão aquecido. Mas tá quente. Tenho essa semana longe de casa, vestindo preto o dia todo – já me acostumei. Um supermercado aberto o dia in-tei-ro aqui na frente, imagina? Ah, mas falta dinheiro. No player, a voz do Cícero embalando meu cansaço. Não tenho dormido bem. E não consigo deixar de te ver. O tempo todo, profundamente e misticamente no meu dia. Não é que eu queira deixar, ou que escrevo pra te exorcizar. É força e carinho. Mas é difícil me dar com a impossibilidade ontológica de não te ter aqui. Assusta, cara. E tu não tem ideia do quanto.
Sim, sou um cara que permanece na hesitação do corpo. É quase imperecível, você sabe. Fico me batendo no apartamento, a uma e meia da madrugada. Soa inconveniente, mas não. Sabe aquela desintegração, que atravessa a noite, vara a madrugada, esburaca o dia, enovela a tarde? A sensação profetizada, sempre: aquele medo de rejeição. O medo amputado da própria sobrevivência. Então. Fico aqui olhando pra ela, projetando minhas possibilidades carcomidas desde sempre. Tenho pressa, Caio. Não sou impaciente. Mas tenho pressa.
Sou tão fresco e neurótico quanto você. Coisa de escritor, talvez. Eu, pelo menos, me penso escritor. Mas tô muito longe. Vivo um melodrama cotidiano desfiado nas palavras. Vez-em-quando apelo para a astrologia – o ‘apelo’ não foi agressivo, por favor -, tentando desenhar no mapa essas minhas disritmias. Demorei pra entender que eu sou também o que escrevo, e não só. Me exilei em outra cidade – uma semana só, ainda não sou tão grave – pra tentar alguma coisa. Não me pergunte o que, eu não sei. Mas me vi dentro de um segredo nem tão secreto assim. Mas permanecerá silenciado, por enquanto.
Queria morar no Passo de Guanxuma. Não, não um personagem seu – por mais requintado que possa parecer. Muito perigoso, talvez. Tenho tanta coisa pra escrever, sofregamente pronto dentro de mim. Um livro de contos, o primeiro. Sem nome, ainda. É um estado de nuvem. Tudo nebuloso, lamacento. Queria um cigarro. Queria não: quero.
Pausa. A madrugada varada.
Fico olhando pra minha estante – teus livros todos emprestados. Não sei se voltarei a vê-los. Sou inábil para dizer não.  Mas também não me frustro assim. Nem me amargo tanto.
Mas olha, hoje é seu aniversário. Não vou sair escrevendo aquelas baboseiras tradicionais – você deve estar cansado de ouvir isso. E eu tô cansado de dizer, também. Fico olhando pra minha pedra esotérica de touro, um quartzo rosa que tenho há uns quatro anos – essas coisas me lembram de ti.
Vim me confessar, também. Eu sei que você tá longe daqueles monges – um obsceno senhor C, talvez. Acho que tô no limiar, no limite branco, Caio. Caio. Ali naquele estado de torpor-amor – os olhos brilhando. Purpurina sólida. Ah, isso: te desejo muito líquido e purpurina, querido. Sem inventários, mas sempre o irremediável. Ir-remediável – faz uma tremenda diferença. Desequilibra a calma, sabe?
Acabei de ver a chuva mudar e direção. Um balé clássico, seduzido pela Ana Botafogo e as notas saídas na voz da Amy Winehouse. Acho que você gostaria dela – porra louca, uma literal casa de vinhos mesmo!
Li tuas cartas. Gostaria de receber uma. Mas te mando essa. Publicada em qualquer canto, pregada na parede feito anúncio de venda talvez. Leio teus livros – tenho um conto escrito pra você. Ainda quero aprender a tocar piano. Tocar uma peça do Brahms, medonha e melancólica. Um copo de vinho – talvez vodca – em cima do piano. Cafona. Fico catando as dores pra ver se sai algum texto. Na frente do computador, em alguma rede social e quase sempre ouvindo alguma coisa.
Talvez se você estivesse aqui, doesse menos. Talvez não. Ou talvez nada mudasse. Mas sinto que seríamos irmãos, primos, cunhados, amantes, pessoas que se traduzem aos amassos quando bebem demais. Desculpa, sou mesmo assim confuso. E às vezes quero me aproximar de você da única forma que sei: escrevendo. Sou taurino com ascendente em câncer – aquela sensibilidade nunca pós e sempre pré tudo. Com marte em leão e plutão em escorpião.
Mas também somos muito diferentes. Te escrevo também por isso: pra cuidar de mim, e de ti. Por esse meu querer violento e exacerbado. Por essa tua compreensão encantada e desoladora. Por tudo. Por falta. Por amor. Por você.

Um abraço, com carinho e cuidado. Onde quer que estejas.
Com saudade e o amor de sempre – não é?
E um beijo, Caio.

Matheus.

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