sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Das Plantas que latem.



    Ao andar pelas ruas da cidade, percebe-se uma certa mesmice das figuras humanas que se fazem (ou pelo menos, em certo aspecto, tentam não se distrair) presentes ali. Os passos de raquitismo encontrados em flancos que se confundem com aquele que anda denunciam a chegada do já conhecido por aquelas bandas. E, transitando pela obviedade do contemporâneo, surge a escrita de Hélder Herik. Emerge condensada de uma obviedade amplamente recriada e exaustivamente trabalhada, para não dar a impressão de profundidade (acontece exatamente o contrário: poemas sucintos e extremamente carregados de profundidade) aos seus poemas e textos que recortam o jornal do homem moderno, e principalmente, o garanhuense. Perpassada pela tradição e modernismo, sua escrita emblemática parece dizer bem mais do que queria (ou deveria).  
    Esse desvelar da obviedade não quer dizer simplesmente trazer à luz o óbvio, aquilo que está ali o tempo todo e poucos percebem. O poeta recria a obviedade, ambientada pela tradição e cortada pelo modernismo tecnológico, revendo todo o trajeto existencial próprio do homem-agreste. Partindo da vivência, quase que exclusivamente tradicional, e sendo visto num complexo de significados que afundam sua vivência, o poeta transforma o cotidiano por meio de embaralhamentos contínuos entre as relações que constituem o paradoxo apresentado. O homem deixa de ser apenas um ente simbólico, idealizado e formado pelo jogo de palavras que compõem a escrita, para se presentificar e vivificar a poética de Hélder.
    O crescimento dele e o descortinar do mundo se embaralham o tempo todo, e dão vida a mágicos encontros. Do totemismo da tradição ao tecnologismo cibernético; da sua rua, a Gervásio Pires, aos computadores mundiais; da família e amigos aos desconhecidos e anônimos que se entrelaçam através das redes sociais. Essa dialética atinge o escritor e é tingida por ele por cores, formas, sons, visões, cheiros e diversificações que tornam o mundo um ambiente de pura dislexia.
    A sensível preocupação do poeta em passar novamente por cada palavra, visitando-a em seus mais recônditos melindres, é, talvez, a marca mais vista. A não precisão de cada descortinar e as possibilidades semeadas frente às palavras arrancam na frente todo um turbilhão de possíveis sensações, que interpretam por si mesmas a linguagem de criação própria e que remetem a sentidos carnosos. Emergem os “tutanos”, de dentro da ossificação em que se tornou a poesia nos últimos tempos, fazendo com que a visibilidade não se fixe no exterior.
    Restaurando a intimidade dos próprios sentidos das coisas, a relação entre o poeta e essas coisas se renova, transmutada em diretas e essenciais capturas daquilo que se apresenta. Levada à exaustão e com a finitude batendo à porta, a percepção agora se transfigura num contínuo lembrar-se de si e do antigo em que se viveu, esculpindo em seu próprio povo (corpo) as marcas e traços que o caracterizam.

Hélder é um paisagista agrestino. 

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