Ao
andar pelas ruas da cidade, percebe-se uma certa mesmice das figuras humanas
que se fazem (ou pelo menos, em certo aspecto, tentam não se distrair)
presentes ali. Os passos de raquitismo encontrados em flancos que se confundem
com aquele que anda denunciam a chegada do já conhecido por aquelas bandas. E,
transitando pela obviedade do contemporâneo, surge a escrita de Hélder Herik.
Emerge condensada de uma obviedade amplamente recriada e exaustivamente
trabalhada, para não dar a impressão de profundidade (acontece exatamente o
contrário: poemas sucintos e extremamente carregados de profundidade) aos seus
poemas e textos que recortam o jornal do homem moderno, e principalmente, o
garanhuense. Perpassada pela tradição e modernismo, sua escrita emblemática
parece dizer bem mais do que queria (ou deveria).
Hélder é um paisagista agrestino.
Esse desvelar da obviedade não quer dizer
simplesmente trazer à luz o óbvio, aquilo que está ali o tempo todo e poucos
percebem. O poeta recria a obviedade, ambientada pela tradição e cortada pelo
modernismo tecnológico, revendo todo o trajeto existencial próprio do
homem-agreste. Partindo da vivência, quase que exclusivamente tradicional, e
sendo visto num complexo de significados que afundam sua vivência, o poeta
transforma o cotidiano por meio de embaralhamentos contínuos entre as relações
que constituem o paradoxo apresentado. O homem deixa de ser apenas um ente
simbólico, idealizado e formado pelo jogo de palavras que compõem a escrita,
para se presentificar e vivificar a poética de Hélder.
O
crescimento dele e o descortinar do mundo se embaralham o tempo todo, e dão
vida a mágicos encontros. Do totemismo da tradição ao tecnologismo cibernético;
da sua rua, a Gervásio Pires, aos computadores mundiais; da família e amigos
aos desconhecidos e anônimos que se entrelaçam através das redes sociais. Essa
dialética atinge o escritor e é tingida por ele por cores, formas, sons,
visões, cheiros e diversificações que tornam o mundo um ambiente de pura
dislexia.
A sensível preocupação do poeta em passar
novamente por cada palavra, visitando-a em seus mais recônditos melindres, é,
talvez, a marca mais vista. A não precisão de cada descortinar e as
possibilidades semeadas frente às palavras arrancam na frente todo um turbilhão
de possíveis sensações, que interpretam por si mesmas a linguagem de criação
própria e que remetem a sentidos carnosos. Emergem os “tutanos”, de dentro da
ossificação em que se tornou a poesia nos últimos tempos, fazendo com que a
visibilidade não se fixe no exterior.
Restaurando a intimidade dos próprios
sentidos das coisas, a relação entre o poeta e essas coisas se renova,
transmutada em diretas e essenciais capturas daquilo que se apresenta. Levada à
exaustão e com a finitude batendo à porta, a percepção agora se transfigura num
contínuo lembrar-se de si e do antigo em que se viveu, esculpindo em seu
próprio povo (corpo) as marcas e traços que o caracterizam.
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