terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Dindi.


Qualquer canto, um dia que parece ser hoje.

Dindi, querida.
            Mal tenho tirado notas no meu violão. Nem tenho procurado, também. Não consigo me aproximar dele, as notas são tão já dele como esta dor é tão somente minha. E ficamos, nós dois assim, calados. Escrevo-te, não procurando palavras para qualquer coisa, nem a alegria que um dia por ventura possa ter atravessado meu sorriso – não posso querer fazer da dor minha ilusão. Tampouco reajo de imediato às coisas que me acontecem. Não pense que é por falta de força, ou algo do tipo. É que vivo nessa tensão de cordas de violino! Bem sabes, acredito.
            Estranhamente, tenho acordado mais tarde que o de costume. Meus dias, você sabe, começam junto com o caminho do sol. Tenho levantado, ultimamente, quando o ardor do sol já está posto. E com uma vontade louca – leia-se louquíssima- de voltar a ver um Almodóvar. Aquelas cores sobrepostas em tons rasgados, lúcidos, prosaicamente poéticos. As comédias em tons melodiosos, rimando com os personagens. Essa passionalidade presente no sangue espanhol, visto num filme do Pedro, ou mesmo aqui do lado, num tango argentino. Sim, o Belchior certamente canta, lembra? Deve ser alguma nostalgia irremediável do nosso tempo. É isso.
            Mas me conta, e você? Ainda imersa no seu poetinha? Ah, e por falar nele, você sabia – descobri essa semana, e fiquei completamente embasbacado! – que ele teve um romance com a Hilda Hilst?! Nunca que eu imaginava, juro! Mas deve ter sido uma paixão e tanto: a obscena senhora Hilst e o boêmio Vinícius, numa carta de amor tresloucada escrita a quatro mãos. É que os amores tem essas invenções meio bucólicas, mesmo.
            Eu sinto como se o mundo estivesse entrando por debaixo das unhas, eu me agarrando às minhas paixões de 15 em 15 minutos. Acabei por me desafiar a caber em qualquer canto – inventado ou não, dado a mim ou não. Ousado, eu e meu orgulho adentrando espaços intocados. Você me reclamava tanto, isso! Ah, Dindi, se tu soubesses.. Fico aqui, desembrulhado meus limites – as janelas abertas, o vento correndo pela casa feito criança. Ele atravessa meus restos, contidos nas caixas que ainda não desfiz. Te disse que me mudei pra esse apartamento aqui há pouco tempo?
            Pois é, acho que meus olhos cansaram da nossa casa. Tudo que produzi, desde a sua partida, foram olheiras e mais olheiras. Passava as madrugadas soluçando algum livro, lendo e escrevendo a conta-gotas – eu todo inflado na minha pose de escritor. Não que eu espere que as coisas mudem aqui, e que com meus incensos-mandalas-poesias-textos-músicas-e-canções-de-apartamento eu possa enfrentar tua ausência e te esquecer, como manda o figurino para amores mal-acabados ou mal resolvidos. Não tenho nem fôlego pra isso! Só estava muito abarrotado, com os olhos embotados das mesmas paredes.
            Nos meus fones de ouvido, continuam a transitar o teu poetinha, o Chico e o Cícero. Ainda ando na Paulista, com aquela camisa que você gosta e os óculos escuros escorregando no meu rosto. Aquela minha velha indisposição, meu comodismo incômodo, não me permite abotoar meus dias com alguma coisa diferente. Não sou tão escultor quanto você, meu bem. Meu humor intraduzível – irascível, você diz - passeia intermitente por cada hora. No volume de festas da cidade, não compareço a nenhuma delas. Meu hábito de ficar trancado em casa a maior parte do tempo vai roendo aos poucos essa borda espessa do cotidiano.
            Enfim. Por favor, ou por clamor, calor ou qualquer outra coisa assim – me dá notícias suas. Um beijo, do teu terno e eterno

M.

Post scriptum: você me ligou enquanto escrevia essa carta. Desculpe não atender.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Licença Creative Commons
Este obra foi licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.