Entre o papel, a pasta de escritos e o
lápis um pouco mais escuro (visto de longe, poderia ser confundido com um lápis
de olho), alguns comprimidos espalhados. Anti-depressivos de uma existência
informal, escondida entre os borrões no olho e na folha. O abandono dos traços,
incisivos sobre as olheiras e tão fortes que deixavam o alto relevo no verso da
folha – e nos reversos de quem escreve. Os clichês das tristezas e das faltas
nunca deram conta, não sentia alívio nem com o sono pesado trazido pelos
remédios. A serenidade disposta na sonolência de uma paixão que funebremente
atarantava os lençóis do quarto, descompassava as músicas infinitas escolhidas
– esses caprichos insólitos que a solidão vai entregando de bandeja. No
inventário que fizera para si, nem as piadas ruins se salvavam. Bastavam aos
dias serem toda essa fortuna de opióides.
O cansaço era a única coisa que,
repetidamente, lhe fazia uma visita. Os parágrafos escritos, não acabados, as
palavras não terminadas, as cartas não enviadas, o que mais havia para se
fazer? Um olhar mais detido, e via-se nitidamente a pontuação fugir dos
escritos, atravessar as possibilidades e também eclipsar as próprias roupas.
Era a ressaca da dor. As reticências já não são mais hábito. As vírgulas não
pausam nem separam, os dois pontos não anunciam. A escrita virara pintura. O
lápis corria, desenhava o corpo em tatuagens descobertas sob as etiquetas. Fez
dos dias-pílula um clássico da sua própria literatura.
Mas vaiava a própria insipidez. Ria-se
desmesuradamente da própria desgraça: seu sorriso fingido de alegria, tingido
pelo café e pelo cigarro no fim. Sua voz ressequida ressoava uniforme e seu
púbere olhar de languidez embaçava a tez do mundo velho que ora ficava
desarrumado. Chacinava o finito, deflorava o tempo. Não interrompia as
inegáveis intersecções das mudanças de clima, de mês – os dias-pílula ainda
surtiam o mesmo efeito. As horas não eram mais intervalos. Nem mesmo um trailer
expectante do que poderia vir nas próximas.
Os analgésicos para a poesia mal
acabada. Os olhos oblíquos que dissimulam notadamente, ou que acentuam os
traços de Capitu – desde que isso foi escrito, procura-se onde pousaram, desta
vez, estes traços. Os novos olhares, ou os sorrisos nervosos que ora explodiam
em sua face langorosa. Padecia da insuficiência da solidão. Desavisava os
lábios. Eram tapas consecutivas, para fazer entrar os remédios que entorpeciam
o corpo e livravam da vertigem da liberdade. Dissolvidos no próprio sono, na
sofreguidão dos dias maleáveis e intransigentemente instáveis, os comprimidos
sufocavam a dor ainda mais para dentro de si. Conservava, úmida e avaramente,
as palavras escritas entre uma dose e outra, entre um remédio e outro –
guardava insidiosamente, na suspeita de alguém agarrar-se aquela dor. Egoísmo,
sofrer a sós.
Os analgésicos, de tão arredios e
cotidianos, faziam agora parte da dor diária. Não serviam mais para debelar
aquilo que, rebeldemente, insistia no lastro das paredes do quarto. Tornaram-se
tão somente um motivo – embora já não mais lembrasse o porque de estar se
dopando constantemente. A cada comprimido engolido, uma dose de bebida forte
fazia crer. Sobrava, apenas, a dor por si. Escapava a cada tentativa, e
escrevia como que num surto. A dor oprime, e se oprime a ela quando não se
deixa ir.
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