O amor varou meu corpo. Inflamou minha carne, queimou minha
língua sem esperar o café. Borrou o guardanapo, apagou o nome escrito à lápis.
Escaravelho, corroeu minha carne, passeou pelo corpo como fosse ele quem
habitasse, não mais eu. O amor veio e varou o tempo.
O amor varou o tempo. Fez-me esperar em horas compridas
para desfrutar algo que se dilui nos lábios em questão de segundos. Varreu todo
o cotidiano, limpou as gavetas e - como grande físico - deixou escapar meu
endereço. Comeu minhas fotografias, traça delirante. Mandou lembranças da minha
certidão de nascimento. Não deixou nem a memória dos meus aniversários.
Até as receitas médicas levou. Dopou-se dramaticamente,
devorou as bulas. Foi mais longe: teve sua overdose com meus romances. Até as
minhas cartas, do baralho àquelas que ficaram rabiscadas atrás do diário, sua
fome consumiu. Roeu a numeração da página dos meus livros.
O amor deflorou meus romances. Ele, sempre escondido, filho
bastardo.
O amor fez de mim um suicida sem bilhete.
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