quinta-feira, 18 de julho de 2013

Inferno Outro.


Você não precisa de mim. Tenho aceitado à cada pôr do sol. E a cada nascer do sol, a iluminação da minha impossibilidade. Não sei dos teus passos, dos teus olhares, dos teus prazeres, das tuas vontades, dos teus anseios, dos teus orgasmos, dos teus ódios, das tuas distâncias, das tuas vaidades, dos teus medos, da tua felicidade. E por mais que me faça teu, nunca serei teu vício. Para mim, egoísta, te basta me ter – te satisfaço ao me oferecer. Alimento-me da tua voz, dos teus abraços, dos teus olhares para mim, das tuas mordidas e tapas que me selam dentro de mim, cada vez mais teu. E o medo sobrevém com a certeza de que bebes em outras fontes, tua vida tua encontra outros corpos que te oferecem prazeres altos, gritos formatados pelo teu desejo. E me contorço, ardo em desespero – não te devotas a mim. Tuas ironias com outros, tuas fantasias delirantes onde nem minha sombra se inclina, as brincadeiras escorregadias que te deslizam: não impeço, nem à revelia do meu próprio despudor. Meu amor não te consome. Mas posso te matar. Sufocada com meus excessos, inclusive esse. Por mais que aceite o fardo da distância, me será inaceitável conduzir meus dias sem as tuas aproximações e confidências. Mas há outros olhos, outros ouvidos, outras bocas, outros braços. E não impeço. Não tenho desculpas, apesar das vontades. Nem posso buscar. Não impor minha procura, minha desesperança cardíaca a bater caoticamente atrás de ti. Minha solidão se disfarça nas horas nuas. Enlaço tuas pisadas, tuas risadas (mesmo as provocadas por alguém) nos meus carinhos invisíveis, desenhados na fumaça do teu cigarro. Meu coração selvagem e hostil, intumescido por tua saliva, na latência muda que desobedece. Minha sagrada incompletude, oblíqua por reclamar espaço e toque, a falta tátil ontológica que me absorve. Ando como exilado do meu próprio corpo, expulso pelo silêncio que oscila entre as chamas da minha própria ilusão. Sou teu inferno. Teu demônio que assombra na própria sombra. O grito que silencia a dor, e faz ouvir a insurreição do tempo que corrói por dentro da carne. O anjo caído que desfalece os desejos e inebria o peito. 

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