domingo, 11 de agosto de 2013

Abstinência.


A felicidade é uma cartada. A final, talvez. Talvez seja uma carta na manga, uma hora qualquer. Num golpe de vista, toda a procura se esvazia. Fica só o caminhar esvaído. A centelha cintila, mas fagulha. Na solidão de palidez monástica, um fôlego ignorante insiste. Insiste em mim. Insiste no sorriso forçado, na conversa involuntária e póstuma aos goles de café. Insiste na minha peregrinação urbana constante, nas andanças que cansam o corpo e consomem a alma. Chega a ser obsceno como se insiste na insuspeita. 
Incendiadas, todas as possibilidades pululam. O inventário: lembranças dilaceradamente vivas, nem tão longínquas; a vida flui rápida demais. Clandestina é a felicidade, secreta talvez. Tardia. Tão completamente embriagante que turva a visão. Destilada, duplo malte. O calendário se faz relógio: os dias ampulhetam. Sem temperanças.
Não se abstém. A sensibilidade não é termômetro. Às cegas, todas as juras enfeitam as palavras. Rasga-se a tranqüilidade, um diário envelhecido. Sujam-se as cobranças como o falso mel da candura. Descaminha-se, se desconversa. A insistência é quase um auto-exorcismo da honestidade. Se entorpecer de calma é privar-se da paixão. Aniquilar a entrega freia os instintos. A solidão da felicidade é incompreensível.
Inventando para si toda a sorte de acontecimentos e privilégios, mexe-se na infância, no olhar, no sexo, nas mágoas, nos desesperos, nos tormentos. A epígrafe da felicidade é escrita no sorriso. A vontade descabida aborta as lágrimas. O lirismo embasbacado, a completude bêbada – oscilam as obsessões. Descansam na prateleira do silêncio os verbos mais intransitivos, mais intransitáveis. Não existe amor na felicidade.
Engasgada pela náusea do tempo, a memória não reabilita os afetos. A felicidade impossibilita que se tateie outro corpo. Cruel, se satura permanentemente. Seu pulmão é o egoísmo. O equilíbrio delicado dá lugar a uma áspera sonolência – o coração volta a ser um órgão. Apenas sabe-se que bate. Mal se advinha a face feliz.  

Meu coração faminto apenas rebate. Meus sorrisos amassados. Uma tatuagem em nanquim. Minha felicidade não alivia. Minha felicidade é um cupido gótico, de asas angelicais, espartilho e sorriso sussurrado.

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