sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Os Dragões conhecem o paraíso.



Inaiza.

    Acho que você gostava de me ver pintado de palhaço. Meus olhos inchados de lágrimas que você me mandou não soltar. E o sorriso pintado, vermelho sangue. Só daquela vez me vi assim, dentro do meu próprio horror. Chamando atenção pela cor, eu sempre invisível pra mim mesmo. Mas olha, guria, só você. 
    Te escrevo por entender. Não que eu me entenda, ou que você me entenda, ou que me faça entender por escrito. Mas por entender, tão somente. E a poesia disfarça comigo. Me vi com o corpo feito garganta, pra ser voz. A pele pedindo libertação de mim, livre da total dependência da confissão em primeira pessoa. No silêncio, sem o suicídio da palavra e na presença de um fôlego manso, vi teus dragões - tão coloridos e teus. Eu, sisudo, ressentido pra sempre por ter nascido - esse era um alvo certo seu, quando brigava comigo -, desaprendi a sorri com os dentes. Sorrio com os lábios, tão somente. Ou com os olhos. 
    Te escrevo num instante. Involuntário. Escrevo lembrando dos teus livros de auto-ajuda, tua cara de segunda-feira - é muita ironia se dar bom-dia numa segunda -, das nossas ressacas de café e gargalhadas. Ficava besta te vendo trans-formar essas frases de altar-de-bar em pequenos post-its diários, quase pílulas de sanidade. Me transtornava com teu sentido sagrado introvertido e profundo. Era a partir dele que tu batia de frente com meu saudosismo, meu orgulho - se tu não quebrar essa redoma, menino, eu mesma quebro. Verdade espantada e espantosa: eis que sinto que.
    Te escrevo também o que pensei e não escrevi. No escândalo do teu sotaque arrastado, cantando as mais altas dores nas madrugadas. Até os desvios em vão - desvãos. Puro estado clariceano, com flores da Cecília que tu me deste - teu último presente, todo grafado. Ganhaste meu presente no meu aniversário. E sabe: não tenho conseguido viver um dia por vez, nem mesmo um por semana. Permaneço naquela fatalidade inócua que me conheceu. Quero dizer: sem descrever espelhos.
    Te escrevo insistente. A lua cheia é uma insônia. Entorpece como amor. Respiro ofegante, atropelando o vento. Cortando suspiros no meio, pra não escapar saudade. Autossuficiência sempre foi um nervo desligado de mim. À flor da pele, mesmo, só aquela pressa solta de ter-ser tudo ao mesmo tempo. Descobri, olha só, que nasci no século certo, no tempo certo - no tempo da preguiça. Exposto às intempéries e tudo o mais, me debato intolerável no claustro que só tu, por mais ferida que estavas - e olha que advinhávamos um ao outro e outro ao um em pouco menos de alguns minutos -, desafiava e entrava sem perguntar, jogando o casaco na sala e dando abraços com os dentes rangendo.
    Te escrevo existindo. Você me disse que, um dia, me daria a mão e me levaria para fora disso que eu construí. Você me  fez belo, me fez maldito, me cantou, me encantou. Sempre pensei que você nunca teria como cumprir tudo o que você me disse. Impossível.

 E veja só - eu estou errado. 

Um comentário:

  1. Aperto na garganta...
    Deixa soltar Matheus... cada palavra.
    Parece até q estou vendo vcs *--*
    :')
    ABRAÇO...

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